domingo, 23 de maio de 2010

Futuro da inovação

Futuro da inovação está nos países emergentes

Complacência e intransigência de nações líderes representam oportunidade de crescimento para países emergentes, diz pesquisadora
Carla Falcão, iG São Paulo | 03/05/2010 05:25

Egípcios, gregos e romanos têm algo em comum, diz a pesquisadora alemã Bettina von Stamm. De acordo com ela, foram grandes civilizações que, em determinados momentos de sua existência, agarraram-se a seus sistemas e processos e evitaram qualquer tipo de mudança significativa em sua forma de organizar a sociedade. A intransigência e a incapacidade de inovar, diz Bettina, foram certamente dois aspectos por trás da derrocada de tais civilizações.

“Empresas e governos de países líderes tendem a tornar-se complacentes, seguros de sua posição e pouco dispostos a mudar ou a acompanhar o restante do mundo. Quando percebem o erro de cálculo, já perderam espaço para concorrentes e outras nações mais modernas e bem preparadas”, afirma a pesquisadora. Sem citar nomes, ela lança um desafio: “Pense nos países e companhias que se encontram na liderança há um bom tempo e que não demonstram intenção de investir em mudanças e avalie quais são os próximos dessa lista”.


Foto: Divulgação Ampliar
Bettina von Stamm
Se a intransigência e complacência dos líderes desestimulam o uso da criatividade, a necessidade constante de superação dos que não estão no topo justifica a maior disposição para mudar o status quo. Regra que, segundo Bettina, vale para os países emergentes, apontados recentemente pela Revista The Economist como os novos “mestres da inovação”. “Cidadãos de países como Rússia, China e Brasil precisam lutar diariamente para garantir o que em outros lugares é considerado básico. E isso estimula nossa capacidade de pensar e encontrar maneiras criativas de vencer os obstáculos”, acrescenta a pesquisadora russa Anna Trifilova.

Anna e Bettina são autoras do livro The Future of Innovation (“O Futuro da Inovação, em tradução livre). A publicação, que ouviu mais de 250 pessoas em todo o mundo entre executivos, consultores e acadêmicos, traz uma série de reflexões sobre a forma como as empresas e a sociedade lidam com o tema inovação.

Entre as contribuições, há capítulos com nomes inusitados como “O papel do Big Brother e a educação”, “Seja emotivo” e “Trata-se de pessoas, idiota”.

De passagem pelo Brasil, onde participaram do X Congresso Nacional de Inovação Tecnológica, Bettina e Anna contaram ao iG que já preparam o segundo livro: "Global Market: from challenges to innovation opportunities" (Mercado global: dos desafios às oportunidades de inovação). A publicação, que seguirá a fórmula de contribuição utilizada em “O Futuro da Inovação”, deverá apresentar a visão de mais de 350 colaboradores de 60 países, incluindo o Brasil.

O objetivo, contam as escritoras, é mostrar na prática como é possível implementar inovações com resultados concretos em um mercado global. “Queremos desmistificar a percepção de que o restante do mundo tem sobre alguns países no que diz respeito a negócios e inovação. Antes de vir ao Brasil, por exemplo, ouvi histórias bizarras sobre o que poderia acontecer aqui e agora percebo o quanto eram falsas”, afirma Anna.

Leia a entrevista com Anna Trifilova e Bettina von Stamm.

iG – No livro que escreveram juntas – “The Future of Innovation” – vocês afirmam que a inovação é uma jornada. Como é possível trilhar esse caminho com resultados concretos?

Bettina von Stamm - Inovar é escolher o caminho certo para buscar mudanças que gerem valor. E não apenas para os acionistas ou donos de empresas, mas para as pessoas e a sociedade de forma geral. É o que chamamos de triple bottom line: capital, pessoas e meio ambiente. Outro ponto crucial para o sucesso é entender que não adianta inovar apenas uma vez. É preciso inovar sempre. O que é a melhor solução hoje, não é mais amanhã. Não se pode estimular a inovação em um dia e mudar de opinião logo depois. É uma questão de cultura e de planejamento.

iG – Em muitas empresas, as áreas de inovação e Pesquisa & Desenvolvimento ainda são vistas apenas como centros de custos. Ou seja, são as primeiras a passarem por cortes de orçamento diante de instabilidades econômicas. Diante disso, qual é o caminho para estabelecer planejamentos de médio e longo prazo?

Bettina – A crise econômica serviu para separar as empresas que realmente entendem o que é inovar daquelas que não tem a menor idéia do que estão fazendo. Minha experiência como consultora mostra que as companhias que realmente conhecem o significado de inovação não param de investir por conta da crise. Há pouco tempo, conversei com o CEO de uma multinacional da área de saúde sobre este assunto. No auge da crise, eles registraram perdas nas vendas da maior parte da carteira de produtos, com exceção dos mais modernos e inovadores, que venderam mais no mesmo período. Isso prova que, se estamos criando soluções que geram valor, as pessoas vão querer pagar por isso.

iG- O livro de vocês tem algumas citações inusitadas, como “O papel do Big Brother e a educação”...

Bettina – Basicamente, nós estamos nos referindo ao governo, que desempenha papel fundamental na educação, que é a base para inovar. Se houvesse maior preocupação em ensinar as crianças desde cedo a questionar o status quo e a não ter medo de fazer perguntas aparentemente bobas, talvez não tivéssemos hoje tantos problemas. O sistema educacional não estimula as crianças a manterem sua criatividade natural e sua capacidade de desafiar conceitos previamente estabelecidos.

Anna – Na Rússia, por exemplo, estou trabalhando em um projeto para aumentar a criatividade nas escolas. O objetivo é estimular as crianças a pensarem de forma diferente sem se sentirem envergonhadas. Meu país é conhecido pela criação de tecnologias na área espacial. Desenvolvemos, por exemplo, uma série de materiais leves e resistentes para usar no espaço. Mas, nunca pensamos em usar este material para outras funcionalidades, algo que a Inglaterra fez ao aplicá-lo na fabricação de macas para transportar pessoas doentes.

iG- Na última semana, a revista The Economist publicou um artigo apontando os países em desenvolvimento como os novos “mestres da inovação”. Esse é o futuro?

Anna - Cidadãos de países como Rússia, China e Brasil precisam lutar diariamente para garantir o que em outros lugares é considerado básico. E isso estimula nossa capacidade de pensar e encontrar maneiras criativas de vencer os obstáculos. Mas, infelizmente, ainda não temos recursos para levar todas essas ideias ao mercado.

Bettina - Empresas e governos de países líderes tendem a tornar-se complacentes, seguros de sua posição e pouco dispostos a mudar ou a acompanhar o restante do mundo. Quando percebem o erro de cálculo, já perderam espaço para concorrentes e outras nações mais modernas e bem preparadas. Esta é a oportunidade que países emergentes têm de dar um salto à frente. Quando você não tem que seguir sistemas rígidos, há mais espaço para inovar.

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