segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Megavazamento de documentos deixa exposta a diplomacia dos EUA

Um gigantesco vazamento de documentos sigilosos americanos, que começaram a ser divulgados ontem, expôs práticas condenáveis de Washington, revelou segredos sobre aliados e deve prejudicar a relação dos EUA com vários países. O governo americano criticou o vazamento e diz que ele coloca em risco a vida de muitas pessoas.

Os documentos mostram, por exemplo, que o governo dos EUA ordenou que dirigentes da ONU fossem espionados. E confirmam que países árabes pressionam para que os EUA ataquem o Irã e destruam o seu programa nuclear.

O vazamento de cerca de 250 mil documentos sigilosos, em geral comunicações entre o Departamento de Estado e as embaixadas americanas pelo mundo, é inédito e possivelmente constitui o maior fiasco da história da diplomacia americana. O ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, disse tratar-se de um 11 de setembro diplomático, comparando o impacto do vazamento aos atentados terroristas de 2001.

Os documentos foram copiados por um militar americano, que os repassou à ONG Wikileaks, com sede na Suécia, que se dedica a divulgar documentos confidenciais. A ONG os repassou, para que fossem analisados, aos jornais "The New York Times" (EUA), "The Guardian" (Reino Unido), "Le Monde" (França) e "El País" (Espanha), e à revista alemã "Der Spiegel". Só esses veículos tiveram acesso ao conjunto dos documentos. E começaram a divulgá-los ontem.

No material revelado até agora, há poucas menções à América Latina. O caso mais curioso é a missão, atribuída à embaixada americana em Assunção, de reunir dados físicos sobre os candidatos nas últimas eleições presidenciais no país, em 2008. O despacho pede informações sobre quatro candidatos, incluindo o atual presidente Fernando Lugo. São solicitados dados biométricos, impressões digitais, scanner da íris e até amostra de DNA. Não se sabe se os dados foram obtidos e enviados.

Esse caso ilustra como o serviço diplomático americano costuma ser solicitado por Washington a extrapolar suas funções e atuar no limite da espionagem. O Departamento de Estado reagiu a essas revelações e afirmou: "Nossos diplomatas são só isso, diplomatas."

As principais citações ao Brasil, nos documento divulgados, dizem respeito à preocupação com possível atividade de terroristas islâmicos na região da Tríplice Fronteira, com Argentina e Paraguai. Segundo o Wikileaks, há cerca de 3 mil despachos originados do Brasil, sendo 1.947 de Brasília e 786 de São Paulo. O país também é citado pela relação com o venezuelano Hugo Chávez. Num despacho da França, um assessor do presidente Nicolas Sarkozy chama Chávez de louco e diz que nem o Brasil consegue mais apoiá-lo.

O "El País" promete divulgar hoje detalhes sobre as suspeitas que a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, desperta em Washington, "ao ponto de a secretária de Estado [Hillary Clinton] chegar a pedir informações sobre o estado de saúde mental" de Cristina.

Os despachos vazados, classificados como confidenciais e secretos (ainda não saiu nada "top secret") pelo governo americano, dizem respeito principalmente aos governos Bush e Obama. Mas há documentos anteriores.

O jornal espanhol diz que há menção a casos de corrupção em escala planetária, que poderiam envolver líderes estrangeiros.

Além disso, há avaliações de líderes estrangeiros que devem causar constrangimento aos EUA. A primeira-ministra alemã, Angela Merkel, é descrita num despacho da embaixada americana em Berlim como sendo avessa ao risco e "raramente criativa". Já o premiê italiano, Silvio Berlusconi, é tratado como um testa-de-ferro do premiê russo, Vladimir Putin, e há menção a suas "festas selvagens". Berlusconi está acuado na Itália por vários escândalos envolvendo festas com garotas de programa.

Uma das práticas mais embaraçosas reveladas pelos documentos indicam a determinação de Hillary Clinton para que altos funcionários da ONU, inclusive o secretário-geral Ban Ki-moon, fossem espionados por diplomatas americanas nas Nações Unidas. Pede-se que sejam levantados dados pessoais desses funcionários, como número de plano de milhagem de companhias aéreas, modelo de aparelhos celulares e operadoras de telefonia que eles usam (o que sugere a possibilidade de grampo).

Outra revelação embaraçosa diz respeito à pressão de líderes árabes para que os EUA ataquem o Irã e destruam o programa nuclear iraniano, considerado pelos árabes como ameaça à segurança regional. Despachos citam a insistência do rei Adbullah, da Arábia Saudita, em "cortar a cabeça da serpente". Nenhum governo árabe admite isso em público, até porque isso significaria se alinhar com Israel.

Mas documentos revelam ainda a hesitação americana. O secretário de Defesa, Robert Gates, é citado ao dizer que um ataque ao Irã apenas atrasaria de um a três anos o programa nuclear iraniano.

Já a embaixada americana em Pequim relata ter obtido de um informante a confirmação de que a direção do Partido Comunista ordenou um ataque a computadores nos EUA, inclusive de órgãos do governo. O governo chinês nega.

Mais nos sites dos veículos citados e no site www.wikileaks.org

Valor Economico 29/11

sábado, 27 de novembro de 2010

Negócios no Brasil por estrangeiros

Gringos que fazem

Apesar das barreiras e da crise mundial, os estrangeiros estão voltando a abrir negócios no Brasil. O que eles vêm fazer num país hostil ao empreendedor?
ELISEU BARREIRA JUNIOR


VISÃO O empresário americano Chris Packard em frente a um de seus restaurantes, em Florianópolis. Ele reclama dos impostos, mas é otimista com a expansão
Se abrir um negócio é um exercício de masoquismo para os brasileiros, há um grupo ainda mais sofredor que os demais: os imigrantes que atravessam o mundo para vir ao Brasil tentar criar negócios. Além da burocracia e dos impostos, eles têm de lidar com as barreiras do idioma e da diferença de costumes. Só recentemente começou-se a quantificar os masoquistas de fora. De janeiro de 2006 a junho deste ano, o Ministério do Trabalho concedeu mais de 5 mil vistos permanentes a “investidores pessoa física”, termo governamental para os estrangeiros que trazem dinheiro para abrir empresas por aqui.

O número desses vistos cresceu 31% entre 2006 e 2008, para mais de 1.300 por ano. Caiu no auge da crise financeira global, mas voltou a subir agora. No primeiro semestre de 2010, os 431 imigrantes que conseguiram esse tipo de visto trouxeram um volume de investimento dois terços maior que o registrado no primeiro semestre do ano passado.

Para obter o direito de se estabelecer no país, o estrangeiro precisa comprovar investimentos, em moeda estrangei-ra, em valor igual ou superior a R$ 150 mil (até fevereiro de 2009, bastavam US$ 50 mil). A proposta de negócio preci-sa passar pelo Conselho Nacional de Imigração, que avalia o “interesse social” da nova empresa, caracterizado pela geração de emprego e renda no Brasil (dependendo do caso, pode-se aceitar investimento inferior a R$ 150 mil). Se-gundo o Ministério do Trabalho, investimentos de estrangeiros pessoa física abrem 2 mil postos de trabalho por ano para brasileiros.

O que buscam aqui essas pessoas? Parte delas relata motivações previsíveis, como a vontade de viver num lugar ensolarado, perto da praia. O francês Christian Noviot, de 44 anos, é desse time. Depois de trabalhar como designer gráfico em Paris, Barcelona, Cidade do México e São Paulo, decidiu ficar no Brasil. Vendeu boa parte dos bens que possuía e investiu cerca de R$ 500 mil na construção da Pousada Patacho, em Alagoas, inaugurada em 2007. Hoje, Noviot emprega sete pessoas. “Os primeiros anos são muito difíceis. Tem de passar pela baixa temporada, contar com a propaganda boca a boca”, diz. “Mas era um sonho, eu queria ter outro estilo de vida.”

Apesar de a maior parte do investimento desses imigrantes ir para empreitadas à beira-mar, em Estados como Ceará e Rio Grande do Norte, não fica só nisso. O americano Chris Packard, de 34 anos, trabalhava no banco de investimentos Merrill Lynch. Em fevereiro de 2008, decidiu largar o emprego de sete anos e abrir um negócio. Apesar da facilidade que teria nos Estados Unidos, achou que haveria maiores chances de sucesso no Brasil. Dez meses depois, inaugurava em Florianópolis um restaurante de comida japonesa. Logo investiu em uma rede de fast-food, o Cactus Mexican Food. Em cinco anos, ele pretende ter 50 restaurantes franqueados. O primeiro foi inaugurado em 2009 no Shopping Iguatemi, em São Paulo – 13 brasileiros trabalham ali.

Packard reclama da burocracia e dos impostos, mas não se arrepende de ter vindo para o Brasil. “Nos Estados Uni-dos, há muita concorrência, dezenas de restaurantes de comida mexicana poderosos, ao contrário do que acontece aqui.” Um de seus sócios, o americano David Allred, de 33 anos, já trabalhava com projetos imobiliários em Florianópolis. Veio ao Brasil em 2008 sondar o mercado. Estudou português durante seis meses, avaliou as perspectivas – e ficou de vez. “Não pretendo voltar. Como há um enorme potencial de crescimento da economia brasi-leira, posso crescer com ela.”

O alemão Thomas Rau, de 48 anos, pensava em viver no Brasil não por causa da economia, mas por ter se ca-sado com uma brasileira, a paulista Heike. Na Alemanha, ele tinha uma frota de veículos para transporte de executi-vos. No Brasil, enxergou espaço para outro tipo de negócio: uma cervejaria artesanal. O casal fez as malas e, em 2008, Rau abriu sua cervejaria em Cunha, São Paulo. “Aqui há muita cerveja industrializada, sem gosto, com ingredi-entes ruins”, afirma. “Não quero produzir grande quantidade, mas quero fazer a melhor cerveja do país.”

Imigrantes que abrem negócios
Iniciar uma pequena empresa no Brasil é um grande desafio. Apesar disso, há estrangeiros dispostos a arriscar

Estrangeiros casados com brasileiros enfrentam menos dificuldades para obter o visto permanente. É o caso do bri-tânico Ian Bannister, de 49 anos. Ele chegou a trabalhar na diplomacia britânica no Brasil nos anos 80 e casou-se com uma brasileira. Em 1998, o casal decidiu se instalar no Brasil. Trabalhou em um banco em Curitiba e, em 2007, abriu a consultoria de risco Critical Corporate Issues (CCI). A empresa, em São Paulo, presta serviços como orientar investi-dores estrangeiros que desejam colocar dinheiro no Brasil. “Esse setor é muito promissor, já que o país está crescen-do e desperta interesse”, diz Bannister.

Vários fatores podem explicar a renovada atenção dos estrangeiros, como a economia ter escapado rapidamente da crise mundial, a Copa do Mundo de 2014, as Olimpíadas de 2016, a expansão do consumo, do crédito e da renda e a imaturidade de diversos setores, ainda com grande potencial de expansão. Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, apresenta o último fator: “A vinda desses imigrantes reflete, em parte, a falta de empreendedorismo nacional”.

O número de imigrantes empreendedores poderia ser muito maior. Alfredo Behrens, professor de gestão intercultural na Fundação Instituto de Administração, da Universidade de São Paulo (USP), acha que o governo deveria facilitar a entrada desses estrangeiros. “Nossas fronteiras deveriam estar sempre abertas para o talento, a competência e a livre-iniciativa”, diz. Paulo Sérgio de Almeida, coordenador-geral de Imigração do Ministério do Trabalho, concorda com a im-portância dos imigrantes, mas não vê necessidade de facilitar mais essa entrada.

A experiência internacional mostra que facilitar a imigração de cérebros traz bons resultados. Nos Estados Unidos, havia pelo menos um imigrante entre os fundadores de 25% das empresas de tecnologia e engenharia abertas entre 1995 e 2005, de acordo com um levantamento da Universidade Duke e da Universidade da Califórnia. Essas companhias gera-ram cerca de 450 mil empregos em 2005. Márcio Nakane, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, destaca o ganho cultural que o Brasil pode ter. “A ação de empreender, ou seja, decidir ganhar dinheiro com um negócio próprio, é pouco comum em nossa sociedade”, diz. “Além disso, a maneira como esses estrangeiros administram pode nos ensinar muito.” Trata-se de deixar entrar ideias que ajudem a construir um Brasil dinâmico, que pensa e age global-mente.

Ideias em bandos

As ideias vivem em bandos

Um novo livro do escritor de ciência Steven Johnson afirma que a inovação não é coisa de gênios. Ela nasce de um ambiente que favorece a comunicação
ANNA CAROLINA LEMENTY. RODRIGO CUNHA (ILUSTRAÇÕES) E PEDRO SCHIMIDT

PROVOCADOR
Steven Johnson, autor de Where good ideas come from (De onde vêm as boas ideias). Se o FBI fosse um lugar bom para ideias, teria evitado o ataque de 11 de setembro de 2001
Com um pequeno esforço de memória, qualquer um pode listar alguns nomes de pessoas que considera geniais. Gente que revolucionou seu tempo com um pensamento original ou com invenções que transformaram a vida da humanidade, como Leonardo da Vinci, Antoine Laurent de Lavoisier, Charles Darwin, Alberto Santos Dumont, Albert Einstein... Mas o que terá tornado essa gente excepcional? O escritor americano Steven Johnson, especializado em divulgar estudos sobre a sociedade, a ciência e as ideias, faz uma proposta ousada em seu mais recente livro, Where good ideas come from – The natural history of innovation (De onde vêm as boas ideias – A história natural da inovação, ainda sem data de lançamento no Brasil). Para ele, a genialidade é uma ideia romântica. Momentos de iluminação individual seriam raríssimos. Lembramos deles apenas porque resultam em histórias agradáveis sobre o progresso.

O caminho que leva à inovação, diz ele, é outro: longo, descontínuo e errático. Percorrê-lo com sucesso significa principalmente conectar ideias – as próprias e as alheias, as novas e as antigas –, em vez de se isolar à espera de sacadas extraordinárias. E essa conexão só acontece em ambientes em que as pessoas possam interagir como se fossem os neurônios de um grande cérebro coletivo. “Não é que não existam pessoas extraordinárias, mais espertas que a maioria de nós”, afirmou Johnson em uma entrevista por e-mail a ÉPOCA. “A questão é que os talentos podem ser aperfeiçoados (ou reduzidos) dependendo do lugar onde estejam. Se tentássemos colocar a mente de Steve Jobs (presidente da Apple) para trabalhar em empresas convencionais, desconfio que ele não se sairia tão bem.”

Saiba mais
»Steven Johnson: "Suas ideias não são só suas"
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De acordo com essa tese, a genialidade seria a capacidade de destilar, aos poucos, o melhor do caldo das ideias existentes. Não é que não exista a descoberta, o “eureca!” (descobri, em grego antigo) que o matemático Arquimedes teria gritado, saindo pelado da banheira, quando lhe veio à mente o conceito de empuxo. É que ele faz parte de uma cadeia de outras descobertas, menores, às quais geralmente não damos valor. Fascinado pela evolução das ideias – dois de seus seis livros anteriores abordam o assunto –, Johnson estudou o contexto que levou ao desenvolvimento de várias ideias na história. E propõe um caminho para alcançar o pensamento inovador e transformar organizações em ambientes criativos. A seguir, alguns dos principais modos de fazer isso, segundo ele.

1. A GESTAÇÃO DEMORA
Uma impressão ou uma intuição precisam de tempo, pesquisa e observação para virar uma ideia. Johnson chama essa gestação de “slow hunch”, o “palpite demorado”. É corrente a ideia de que Darwin, ao ler a teoria de Thomas Malthus sobre a disparidade entre a produção de alimentos e o crescimento da população, teve um estalo e formulou a teoria da seleção natural. Johnson desmonta essa análise superficial, mostrando que Darwin era um homem rigoroso em suas anotações. Durante anos, registrou observações, citações, ideias improvisadas e rascunhou diagramas. Estava constantemente relendo suas notas e questionando suas implicações. Os principais pontos da seleção natural estavam em seus cadernos. O “insight malthusiano” veio só depois e o ajudou a completar o raciocínio.

2. A IDEIA TEM VÁRIAS MÃES
Uma pessoa inovadora é aquela que consegue combinar e recombinar ideias anteriores. Ao formular a teoria da relatividade, em 1905, o físico Albert Einstein usou estudos do matemático Jules Henri Poincaré. Daí a importância de um espaço livre para ideias: mesmo as mais loucas podem um dia servir. Poincaré formulou em 1904 uma conjectura que só foi demonstrada em 2002, pelo matemático Grigori Perelman. “As pessoas costumam pensar que fazemos uso só do conhecimento e dos cálculos e, com isso, chegamos às teorias”, diz Jacob Palis, doutor em matemática pela Universidade da Califórnia e pesquisador do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa). “Longe disso. Nós perseguimos palpites. Há casos em que tenho sucesso e há casos em que a pergunta fica no ar, até que outras pessoas se interessem por ela.”

3. O GRUPO INOVA MAIS
“A ideia não é uma coisa só. Está mais para um enxame”, afirma Johnson. Quando a informação circula, criamos uma rede fluida, inteligente, receptiva a novidades. É principalmente essa a razão por que as grandes cidades são ambientes mais férteis à inovação em comparação com as pequenas. “A densidade das redes formadas nas primeiras cidades propiciou a circulação de ideias. Elas transbordaram e, por causa disso, foram preservadas para as futuras gerações”, escreve Johnson. Em ambientes menores, como empresas, também é possível formar essas redes de ideias. O jeito mais simples de fazer isso é permitindo um espaço para conversas informais. É mais eficiente do que reuniões de brainstorm (em que todos são instados a dar palpites absurdos, na esperança de surgir uma ideia genial), segundo Johnson, porque as ideias não respeitam cronogramas. A arquitetura também influi. Ela precisa unir as pessoas, em vez de separá-las em grupos fechados. Esse pensamento inspirou a Microsoft a construir espaços físicos mutáveis, das mesas às paredes, em sua área de pesquisa. A Apple faz isso nos projetos de trabalho em grupo: favorece o contato franco e intenso entre todo tipo de profissional, todo tipo de inteligência.

4. PRESTE UM POUCO DE DESATENÇÃO
Muitas vezes, esquecer o problema ajuda a achar a solução. As ideias se beneficiam de uma dose de dispersão. Elas podem vir durante o sono, no banho, numa caminhada ou na prática de um hobby. Um exemplo ilustre é do matemático francês Jules Henri Poincaré. Ele passou 15 dias tentando provar que as funções propostas pelo matemático Lazarus Immanuel Fuchs não existiam. Um dia, saiu da rotina e tomou café preto, algo que não costumava fazer. Sem conseguir dormir, começou a ter alguns palpites promissores. No dia seguinte, percebeu que estava errado e provou as conjecturas – a que generosamente chamou de fuchsianas.

5. O VIZINHO PODE EMPRESTAR
Algumas das melhores ideias já existem – só precisam de alguma adaptação. Foi o que fez, por exemplo, o obstetra francês Stephane Tarnier, em 1870. Em Paris, naquela época, um em cada cinco bebês morria poucos dias depois de nascer.Um dia, passeando pelo zoológico, ele notou que os pintinhos eram mantidos em recipientes aquecidos. Se o princípio era bom para os pintinhos, por que não para os humanos? Ele criou então a primeira incubadora, colocando recipientes com água quente embaixo das caixas de madeira que serviam de berços.

6. A AJUDA DOS ERROS
Uma ideia inicialmente promissora pode chegar a um resultado ruim. Isso se chama erro. E ele é útil. O ambiente inovador tolera os enganos, estuda os resultados indesejados e os transforma em aprendizado, em benefício das ideias seguintes. Johnson cita o exemplo do teólogo britânico Joseph Priestley. Ele tinha o costume de fazer experimentos científicos para provar suas crenças teológicas. Um dia, colocou uma planta em uma jarra, privando-a de oxigênio. Esperava que a planta morresse, mas ela continuou viva. O resultado o encorajou a continuar suas pesquisas. Esse experimento levou a outros, de outros cientistas, e assim se descobriu o processo da fotossíntese.

7. A OBSESSÃO COM NOTAS
A insólita jornada da inovação depende da profusão de informações – uma espécie de bagunça organizada. Era assim que Darwin fazia em seus cadernos, repletos de rabiscos, desenhos, pensamentos. Ordenar essas ideias pode atrapalhar mais que ajudar, porque engessa o raciocínio. Anotações esparsas facilitam a recombinação das teses, o olhar com nova perspectiva. Mas há um risco oposto: anotar, anotar, e não parar para ligar os pontos. Essa foi uma das falhas que impediram a polícia federal americana, o FBI, de prevenir o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. Em julho, um relatório do agente Ken Williams alertava sobre seguidores de um certo “Usama Bin Laden” que faziam cursos de aviação civil. Williams entrevistara alguns deles e descobrira que tinham ligações com movimentos islâmicos radicais. O documento foi classificado como um “palpite especulativo, não significativo”, e permaneceu no limbo do FBI. Outro relatório ignorado dentro do FBI mencionava que um certo Zacarias Moussaoui, aluno de aviação, tinha intenção de jogar um avião contra o World Trade Center. As informações não se encontraram, o FBI não agiu e os aviões pilotados por terroristas atingiram seus alvos meses depois.

Nesse caso extremo, um processo mais acurado de ligar informações poderia ter salvado a vida de cerca de 3 mil pessoas. Em outros casos, o prejuízo é um invento que deixa de ser feito, um trabalho que fica pior, um paciente que deixa de ser tratado. É fácil perceber a falta de conexão no FBI, mas quanto nós mesmos não trabalhamos isolados? “Um dos maiores problemas das empresas é que elas dividem as pessoas em silos – engenheiros aqui, o financeiro ali”, disse Johnson a ÉPOCA. “O pensamento inovador frequentemente vem quando as ideias cruzam fronteiras.”


Epoca.