sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Roll up - Cabeça de formiga ou rabo de leão? | Época NEGÓCIOS


O empresário Fábio Franchini tinha um problema nas mãos. Sócio havia 15 anos da corretora paulista de seguros Promove, especializada em transportes e logística, ele encontrava dificuldade em atuar em outros segmentos, o que limitava o potencial de crescimento do negócio. Em 2009 recebeu uma proposta inusitada de representantes de um grupo financeiro carioca, o Gulf. Eles queriam comprar sua empresa. Sem pagar um tostão. Em troca, Franchini receberia ações de uma holding que seria formada pela união de diversas corretoras. Na prática, ele deixaria de ser CEO de uma companhia de médio porte para se tornar funcionário – mas também acionista – de uma empresa grande. Nascia a Brasil Insurance.
O que poderia soar como uma fria para muitos foi música para os ouvidos de Franchini. “Já havia recebido sondagens para vender a Promove, mas aquele modelo era mais interessante porque eu teria uma série de responsabilidades a longo prazo”, diz Franchini. E põe responsabilidade nisso: o contrato de venda previa exclusividade de trabalho por sete anos e proibição de vender suas ações na Brasil Insurance por cinco anos, depois de ela abrir o capital na bolsa de valores. Havia uma série de atrativos: a holding assumiu toda a parte administrativa e financeira da Promove, incluindo folhas de pagamento e contas a pagar – permitindo que ele e a equipe se concentrassem no que mais gostavam: vender seguros. Após se associar, Franchini diminuiu a dependência de poucos clientes e, por meio do contato com as outras associadas da holding, ganhou acesso a novos mercados, como os seguros de saúde. “A empresa virou a soma de todas as especialidades das subsidiárias”, afirma.
O tipo de operação que seduziu Franchini recebe o nome de roll-up, ainda sem uma tradução muito clara para o português. Na prática, trata-se da união de empresas de menor porte numa holding, normalmente montada por um fundo de investimento. Uma das características do roll-up é que a compra das subsidiárias normalmente não envolve dinheiro e sim a troca de ações. “O empresário vende 100% de sua empresa e passa a ter 1% da nova holding”, define o advogado Luiz Fernando Amaral Halembeck, sócio do escritório Halembeck e Homem De Melo. O dinheiro só entra quando as ações da nova companhia passam a ser negociadas na bolsa de valores, depois de um processo de abertura de capital (IPO). É uma modalidade em pleno crescimento no Brasil. Existem hoje três empresas de capital aberto que seguem esse modelo. Nos próximos meses, elas irão ganhar a companhia de duas novas participantes. A pergunta que fica é: vale a pena? Para Franchini, sim. Bem adaptado ao modelo, o empresário não só viu a expansão do negócio como cresceu dentro da estrutura da Brasil Insurance. Hoje, ocupa a vice-presidência do conselho de administração da empresa. “É preciso maturidade para dividir decisões e aceitar mudanças; quem tem um perfil autoritário não entra em um roll-up.”
Esse modelo de negócios nasceu nos Estados Unidos e ganhou força nos anos 90, na esteira do sucesso de empresas como a rede de cabeleireiros Regis Corporation e a corretora de seguros Brown & Brown. Por aqui, a empresa pioneira no modelo foi a imobiliária Brasil Brokers, que surgiu em 2007, pegando carona na retomada do mercado de capitais. Quem a montou foi o grupo Gulf, liderado por um ex-executivo do banco Bradesco, Ney Prado Junior. Ao abordar possíveis sócios, Prado Junior sempre ressaltava que era melhor ser minoritário em uma corretora maior do que o dono de um negócio de pequeno porte. Quando abriu o capital na Bovespa, a Brasil Brokers era formada pela união de 17 companhias. Hoje, são 26 parceiras, incluindo pesos-pesados desse segmento, como Abyara, Avance e Niterói.
Reprodução (Foto: Infográfico: Flávia Marinho)
Estreias na bolsaDas novas empresas que apostam no roll-up, a primeira a chegar ao mercado de capitais será a AutoBrasil, formada pela união de 11 redes de concessionárias de veículos usados. A empresa planeja realizar seu IPO em meados deste mês. Trata-se de uma operação com potencial para agitar esse mercado, que movimenta R$ 85 bilhões por ano. Sediada no Rio de Janeiro, a AutoBrasil surge como a maior empresa do segmento, com faturamento de R$ 2,6 bilhões. A segunda ação de roll-up a circular pelos pregões da Bovespa será a da Brasil Education. Trata-se de uma holding que reúne diversas escolas, cursos e faculdades, em uma operação liderada pela Prismapar, empresa de Renato Souza Neto, filho do ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza. É um mercado em ebulição: nos últimos anos, a educação superior virou o principal alvo dos fundos de private equity, que começaram a consolidar toda a área em três redes. O projeto da Brasil Education vai além das faculdades. A holding pretende reunir cursinhos, escolas de idiomas, ensino técnico e aulas preparatórias para concurso público. “Estamos de olho do A ao Z”, diz um dos executivos que participam da iniciativa. A holding está em processo de captação de interessados – já existem oito sócios fechados – e abrirá o capital quando chegar em 20 contratos, algo esperado para 2013.
Atuar no modelo roll-up, porém, não é garantia de sucesso. Em alguns casos, o projeto nem mesmo chega a decolar. Foi o caso da Brasil Travel, que iria reunir 35 operadoras de turismo em uma holding. A empreitada surgiu a partir de uma sociedade entre o financista Pedro Duarte Guimarães – hoje no banco Brasil Plural – e o advogado Luiz Azevedo Sette. O objetivo era chegar à Bovespa no início do ano, aproveitando a agitação que dominaria o setor com a aguardada abertura de capital da CVC, maior operadora do país. Deu tudo errado. A economia esfriou, a CVC cancelou o IPO, o setor se manteve morno e a Brasil Travel não conseguiu atingir o preço esperado para suas ações. O projeto implodiu. “Eles erraram na precificação, mas foram vítimas de um momento negativo do mercado”, diz um assessor da operação.
Reprodução (Foto: Infográfico: Flávia Marinho)
O exemplo vem de foraMesmo quem chega a operar precisa ter cuidado, como mostra o mercado americano. Tornaram-se famosos por lá casos como o da USA Floral Products e da US Office Products. Ambas foram criadas no início da década de 90 por Jonathan Ledecky, um ex-executivo financeiro. O modelo do roll-up permitiu que consolidassem setores muito pulverizados – jardinagem e suprimentos de escritório, respectivamente –, multiplicando seu valor de mercado. “Tão rápida quanto a ascensão foi a queda”, diz Heitor Miguel, advogado especialista em roll-up. Com centenas e centenas de sócias, as empresas falharam na gestão ao não conseguir integrar suas unidades. Com o início dos prejuízos, Ledecky vendeu sua participação e os negócios desmoronaram. Ambas pediram concordata em 2001.
Franchini: ex-dono de um pequeno negócio, ele se transformou em acionista de uma grande seguradora (Foto: Renato Parada)
Os cuidados com a integração dos novos sócios é central para Tuca Ramos, presidente da Brasil Insurance. “Hoje eu só consigo integrar 15 corretoras por ano. Não adianta comprar 25, porque senão não vou conseguir dar atenção e carinho para todas”, diz. Segundo Ramos, a criação da empresa trouxe duas grandes vantagens para os associados. A primeira é que, com o porte maior, elas conseguem negociar contratos melhores com as seguradoras. A quantidade de sócios, com diferentes especialidades, também facilita a entrada em novos segmentos de mercado. Uma corretora especializada em seguros de vida pode consultar a holding para usar a experiência de outras unidades e ganhar clientes em áreas como saúde ou automóveis. Estão sendo criadas áreas técnicas dentro da empresa para facilitar esse intercâmbio de informações. O processo, conhecido como cross-selling, já representa 10% das receitas da holding.
Também é na integração das operações dentro da holding que mora o grande desafio da Brazil Pharma, formada em 2010 pela união das quatro redes farmacêuticas do banco BTG Pactual. Em pouco mais de um ano, a empresa comprou três drogarias de grande porte – Sant’ana, Big Ben e Estrela Galdino – que fizeram a holding passar de 380 para 660 lojas próprias e a ombrear com as gigantes Raia Drogasil e DPSP, líderes do setor. Com um crescimento de mais de 70% no número de lojas, a empresa precisa agora aumentar a sinergia entre as redes para diminuir o custo do negócio. O remédio da Brazil Pharma é o Centro de Serviços Compartilhados. Criado em março, está integrando toda a operação administrativa da empresa. Também já teve início a unificação da área comercial, que vai batalhar por preços mais baixos nas compras junto aos laboratórios. Conforme relatório do banco Itaú BBA, no entanto, “a integração ainda está nos seus estágios iniciais e deverá levar um tempo para ter efeitos mais visíveis”.
A Brasil Brokers tem no indócil mercado de imóveis a sua maior dor de cabeça. Primeira empresa de capital aberto do Brasil a adotar o modelo do roll-up, a companhia viu seus resultados encolherem no primeiro semestre, a ponto do banco Credit Suisse classificar 2012 como “uma espécie de ano perdido”. A empresa espera uma recuperação para breve, apostando na manutenção dos preços dos imóveis nos patamares elevados de hoje. A avaliação é que, dos três principais custos das construtoras – obras, terrenos e financiamento –, somente o terceiro deverá recuar. Estouro da bolha imobiliária? Segundo relatório do banco, a cúpula da empresa classifica essa possibilidade como “rumores da mídia”. Um teste de fogo para a capacidade do modelo roll-up manter os resultados – e a união – entre seus sócios. 
CORTE NA CONCORRÊNCIA  (Foto: Glow Images)

Dá para ser feliz? | Época NEGÓCIOS

Dá para ser feliz? | Época NEGÓCIOS - notícias em Dilemas

A procura da felicidade é uma indústria em crescimento. Livros de autoajuda geram cerca de US$ 1 bilhão em vendas anuais – uma fração modesta dos US$ 17 bilhões movimentados no mercado global de antidepressivos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a depressão era o quarto maior problema de saúde pública do planeta em 2010 e avança para se tornar a segunda causa de invalidez até 2020. O mundo do trabalho é um palco privilegiado para esse drama. Em 2005, a consultoria Towers Perrin conduziu uma pesquisa com 86 mil funcionários de grandes e médias companhias em 16 países, medindo o quanto cada um estava “altamente engajado”, “moderadamente engajado” ou “não engajado” no trabalho. Cerca de 85% dos participantes enquadraram-se em uma das duas últimas categorias. Em diversos países desenvolvidos, o engajamento dos trabalhadores está no nível mais baixo de todos os tempos.
A julgar pelos resultados dos raros estudos feitos no Brasil, a situação nas organizações daqui pode ser ainda pior. Uma pesquisa da consultoria de recursos humanos Right Management com 5.685 trabalhadores brasileiros obteve 48% de respostas negativas à pergunta “Você é feliz no seu trabalho atual ou na sua última ocupação?”. Entre as mulheres, o mesmo índice é de 59%. Com os níveis de emprego e renda em patamares historicamente elevados, é razoável arriscar um diagnóstico: a crise é de propósito.
“Muitos de nós não trabalhamos por dinheiro apenas. Alguns querem mudar o mundo, outros, criar objetos de arte que permanecerão. Alguns batalham para ganhar a fama, enquanto outros ficam contentes em fazer o bem anonimamente. Para muitas pessoas, os efeitos visíveis do trabalho são a maior recompensa”, escreve o economista indiano Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do FMI, em Fault Lines, um estudo sobre a crise financeira global de 2008 que foi eleito o livro de negócios do ano pelo Financial Times em 2010. “Para o professor, testemunhar o momento eureca, quando a compreensão enfim nasce em um estudante; para o médico, a alegria incrível de salvar a vida de um paciente; para o fazendeiro, a visão de acres e acres de trigo dourado oscilando gentilmente com a brisa – para todas essas pessoas, a motivação primária é saber que o trabalho faz do mundo um lugar melhor.”
Rajan cita, em seu livro, um experimento feito por pesquisadores do MIT e da Universidade de Chicago sobre a importância de um significado para o trabalho. Observado por cientistas, um grupo de estudantes recebia peças de Lego para montar figuras humanas. Cada aluno tinha direito a uma recompensa por modelo montado, só que o pagamento era menor a cada homenzinho concluído, de modo que, em algum momento, o trabalho deixava de ser interessante do ponto de vista econômico. Numa das rodadas, os modelos montados eram deixados à frente do estudante à medida que ele ou ela trabalhava. Em outro momento, as figuras prontas eram desmontadas de imediato, e as peças voltavam a ser oferecidas. “A simples diferença entre permitir que o trabalho do participante permanecesse (ao menos pela duração de sua participação) e desfazê-lo de imediato, sem deixar vestígio, fez uma enorme diferença na disposição para trabalhar, ainda que os benefícios monetários fossem idênticos”, escreveu Rajan. Quando podiam ver o que estavam construindo, os estudantes montavam, em média, 10,6 homenzinhos cada um. Quando as figuras eram desfeitas, a média caía para 7,2.
Significado é a nova moeda, diz uma professora de Harvard. “É o que as pessoas estão procurando. valores organizacionais claros”
Professor de finanças na Universidade de Chicago, Rajan considera essa experiência de particular interesse para seus alunos, colegas e futuros profissionais do ramo. Em diversas funções no setor financeiro, é difícil enxergar os efeitos do trabalho de cada um. “Como o trabalhador em uma linha de montagem, a corretora que vende títulos emitidos para um projeto de energia elétrica raramente vê a eletricidade que é produzida: ela tem pouca percepção de qualquer resultado material de seu trabalho”, afirma ele em seu livro. A medida mais direta da contribuição dada por um trabalhador do setor financeiro é o dinheiro que ele ou ela ganha para a firma onde trabalha. Esta é a razão da eficiência do sistema e também de sua vulnerabilidade. “Estamos aprendendo que o lucro como motivo, potente como ele é, pode ser insuficiente tanto para indivíduos como para organizações”, afirma Daniel Pink, o mais prestigiado especialista em motivação da atualidade, em seu livro Drive.
O juramento do MBA
Na primavera de 2009, com a economia global se recuperando do quase colapso de setembro de 2008, uns poucos estudantes da escola de negócios de Harvard “olharam no espelho e se perguntaram (...) se eles eram o problema”, relata Pink. Temeroso de que, depois da crise, um diploma da mais conhecida escola de negócios do mundo se tornasse um mico, um grupo de alunos do segundo ano concebeu, assinou e divulgou uma carta de intenções que foi batizada de “O Juramento do MBA”. Começa assim:
“Como um administrador, meu propósito é servir o bem maior ao unir pessoas e recursos para criar um valor que nenhum indivíduo pode criar sozinho.”
Psicólogos e economistas já encontraram evidências de que a correlação entre dinheiro e felicidade é fraca. Passado certo nível, uma pilha maior de notas não nos leva a um nível superior de satisfação.
Uma pesquisa com estudantes recém-formados na Universidade de Rochester comprova essa teoria e sugere que o juramento de Harvard pode oferecer àqueles futuros administradores mais do que uma imagem positiva. As pessoas que têm metas relacionadas a propósito, e sentem que as estão atingindo nos primeiros dois anos depois da formatura, relatam níveis mais altos de satisfação e bem-estar do que quando estavam na faculdade, e níveis baixos de ansiedade. O mesmo não pode ser dito dos recém-formados com metas baseadas em lucro – mesmo quando atingem seus objetivos. Isto significa que a satisfação depende menos de ter metas do que daquilo que Pink define como ter os objetivos certos.
Na definição inspirada de Tamara Erickson, uma professora da própria escola de negócios de Harvard, o significado é a nova moeda. “É o que as pessoas estão procurando. Valores organizacionais claros, traduzidos no trabalho do dia a dia”, afirmou ela em um texto para a versão digital da revista Harvard Business Review.
Tamara vem conduzindo pesquisas sobre motivação e novas carreiras focadas em criatividade e colaboração. Segundo ela, seu trabalho “tem mostrado claramente que níveis altos de engajamento e o esforço adicional associado a eles ocorrem quando nossas experiências no trabalho refletem um conjunto claro de valores que compartilhamos”.
A moeda de troca mais bem recebida pelo trabalho muda durante a vida. Na juventude, é o aprendizado. Depois, passa a ser o dinheiro. Em seguida, vira poder. Mais tarde é o prestígio. Depois pode se tornar um misto de desafio intelectual e qualidade de vida. Em geral, termina sendo a possibilidade de retribuição. “Chega um momento em que você quer dar [alguma coisa] de volta para a sociedade. Você vai dar aula, participar de conselhos, montar uma ONG”, diz Cássio Casseb, ex-presidente do Banco do Brasil e do Pão de Açúcar. “Não adianta dar prestígio para um cara que precisa de dinheiro. Não adianta dar um curso para um cara que necessita de poder. Você tem de adequar as moedas aos momentos que as pessoas vivem.”
Casseb diz ter cometido erros na gestão de pessoas no começo de sua carreira. Dois ou três de seus melhores funcionários nunca se formaram. Nos anos 80, ele recrutava estagiários na Poli, a faculdade de engenharia da Universidade de São Paulo, e os levava para trabalhar no mercado financeiro. “O cara ia bem? Grana. Ia bem de novo? Responsabilidade. Se superava? Cargo. O cara ia subindo e acabava largando a escola”, diz Casseb.
Promover rápido demais ou para a posição errada, não raro, é um castigo involuntário. Não é todo mundo que vai ser feliz liderando. “Às vezes você tem um cara que é um típico especialista”, diz Casseb. “É um sujeito para quem se deve dar mais responsabilidade ou mais dinheiro para que permaneça na posição onde está. Mas, por engano, você o promove para uma posição onde ele não tem prazer no trabalho – e vira um desastre.”
Promover rápido demais ou para a posição errada, não raro, é um castigo involuntário. Nem todo mundo será feliz liderando.
As empresas devem prestar atenção nisso
A relação entre subir na vida e ser feliz é mais tênue do que pode parecer. “Não vamos achar que ser presidente [de uma empresa] é a concretização da felicidade”, diz Fabio Barbosa, hoje presidente executivo do Grupo Abril. Há respaldo teórico para esta afirmação. “O prazer de conseguir o que você quer é frequentemente fugidio. Você sonha em ser promovido, ser aceito em uma escola prestigiosa ou terminar um grande projeto. Você trabalha todo o tempo em que está acordado, talvez imaginando (sobretudo nas horas difíceis) o quão feliz seria se apenas pudesse atingir essa meta. Então você tem sucesso e, se tiver sorte, ganha uma hora, talvez um dia de euforia”, afirma o psicólogo Jonathan Haidt no livro A Conquista da Felicidade. “Mais tipicamente, contudo, você não tem nenhuma euforia (...), a sensação é mais de alívio – o prazer do fechamento e da entrega.”
A moral da história parece ser que o importante, também em uma carreira, não é aonde vamos chegar, mas o quanto vamos nos divertir no caminho.
A máscara social do brilho nos olhos
Desde pequenos, aprendemos a separar trabalho e diversão no tempo e no espaço. De início, são os professores que nos ensinam que a sala de aula não é lugar de brincadeira. Enquanto isso, os demais adultos insistem em nos dizer que adoram seus trabalhos – embora quase nunca pareçam sinceros. Levamos um tempão para entender que se trata de uma espécie de máscara social que teremos de usar quando ficarmos mais velhos. Gente bem-sucedida, aprendemos mais tarde, precisa exibir “brilho nos olhos” o tempo todo.
Os pais nem sempre são insinceros. Com frequência, chegam exauridos ou entediados do trabalho e nem tentam disfarçar. Dia após dia. Em algum momento, acabam revelando a verdade: fazem esse sacrifício para manter um padrão de vida elevado para a família. O exemplo seria positivo, se não tivesse alta probabilidade de inibir a busca da felicidade no trabalho quando os filhos tiverem de decidir o que fazer da vida.
Quanto, afinal, precisamos gostar do que fazemos? Se ignorarmos essa pergunta por julgá-la fútil, corremos o risco de abandonar cedo demais a busca por nossa verdadeira vocação. “Você acabará fazendo alguma coisa escolhida para você pelos seus pais, ou pelo desejo de ganhar dinheiro ou prestígio – ou por pura inércia”, escreve Paul Graham, um capitalista de risco do Vale do Silício. Um parâmetro sugerido por ele é: “Você tem de gostar do que faz o bastante para que o conceito de ‘tempo livre’ pareça equivocado. O que não quer dizer que você tenha de passar todo o seu tempo trabalhando. Você só pode trabalhar por algum certo tempo antes de ficar cansado e começar a pisar na bola. Aí você vai querer fazer outra coisa – mesmo que seja algo estúpido. Mas você não vai considerar esse tempo um prêmio e o tempo que gastou trabalhando como uma dor que suportou para conquistá-lo”.
Um bom teste, sugerido por Graham, para descobrir se as pessoas amam para valer o que fazem da vida é perguntar se elas o fariam mesmo se não fossem pagas – mesmo que tivessem de arranjar outro emprego para sobreviver.
“Quantos advogados corporativos fariam seu trabalho se tivessem de fazê-lo de graça, em seu tempo livre, e trabalhar de garçom durante o dia para sobreviver?”, pergunta Graham. “Parece seguro dizer que há mais aspirantes a romancista cujos pais querem que eles sejam médicos do que aspirantes a médico cujos pais querem vê-los transformados em escritores.”
Eis a regra de Paul Graham, um capitalista de risco do Vale do Silício: “Você tem de gostar do que faz o bastante para que o conceito de tempo livre pareça equivocado” 
O escritor suíço-britânico Alain de Botton, famoso por popularizar filosofia, literatura e religião, observou que vivemos em uma era na qual nossas vidas são sacudidas com regularidade por crises profissionais. “Talvez seja mais fácil do que nunca ganhar a vida e mais difícil do que nunca estar tranquilo, livre da ansiedade com a carreira”, disse ele, em uma palestra em Oxford. Segundo De Botton, é tão improvável hoje que você fique rico como Bill Gates como era para um plebeu do século 17 chegar à aristocracia. A diferença é que não parece ser assim. Livros e revistas de autoajuda querem nos fazer crer que, se tivermos energia, ideias brilhantes e uma garagem, podemos começar uma nova Microsoft. “Em boa parte do tempo, nossas ideias sobre o que significaria viver com sucesso não são as nossas próprias”, afirma ele. “Elas foram sugadas de outras pessoas (...), da televisão à publicidade.”
O dinheiro é uma boa métrica para definir nosso sucesso profissional – mas está longe de ser a única. A remuneração, sozinha, quer dizer bem pouca coisa. Ela segue sendo importante, é claro, porém tem sido rebaixada à condição de um entre vários itens de uma cesta de motivações. A economia é a ciência da escassez, e hoje há mais oferta de dinheiro do que de sentido nos mercados de trabalho dos países desenvolvidos e emergentes. Logo, propósito é uma moeda forte. Mais forte que o dólar, o euro ou o real, quando se trata de criar “pacotes de felicidade” que fazem a diferença – tanto para as pessoas como para as empresas.   
Felicidade S.A. (Foto: Divulgação)

Este texto foi extraído e adaptado
do livro Felicidade S.A. (editora arquipélago),
recém-lançado pelo jornalista Alexandre Teixeira 

O trabalho perdeu o sentido? | Época NEGÓCIOS

O trabalho perdeu o sentido? | Época NEGÓCIOS - notícias em Dilemas


“Quais são os dois momentos mais importantes da vida?”, perguntou o ancião Kampala, da etnia Hadza, da Tanzânia. O escritor e consultor americano Richard Leider respondeu o que lhe pareceu óbvio: o momento em que você nasce e o momento em que você morre. “Bahhh!”, disse o ancião. “Você viaja de avião, eu nunca andei de avião, você chega até aqui de jipe, eu ando a pé, você dorme numa tenda, eu durmo ao lado da fogueira... e você não sabe a resposta para a pergunta mais básica de todas?” Leider, que viaja frequentemente para lugares distantes justamente para coletar elementos de sabedoria dos anciãos, perguntou: “Qual é a resposta?”. Do alto de seus 98 anos, Kampala disse: “O primeiro momento você acertou, é quando você nasce. O segundo é quando você descobre por que nasceu”. 

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Os Hadza são uma etnia que vive de coleta de sementes e folhas e caça de animais, na Tanzânia. É o estilo de vida mais parecido com o dos ancestrais da humanidade 

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Leider pergunta a pessoas de mais de 65 anos o que têm a ensinar e como refariam sua vida. Ele começou a fazer isso depois que seu pai morreu, 24 meses após se aposentar 

Para os Hadza, descobrir por que você nasceu é perceber que pertence a uma cultura, entender o seu papel na comunidade. Leider contou essa história no mês passado, em uma palestra proferida no Business Innovation Factory, uma conferência sobre negócios em Rhode Island, nos Estados Unidos. Falava sobre propósito, o tema a que se dedica há quatro décadas.
Empresas não são muito diferentes dos Hadza. Também precisam conferir sentido às pessoas que as compõem. “Como alto executivo, você pode achar que o seu principal trabalho é desenvolver uma estratégia matadora”, escreveu Teresa Amabile, professora de administração da Escola de Negócios Harvard, em um artigo para a revista da consultoria McKinsey no início deste ano. “Mas este é apenas o seu trabalho 1-a. Você tem uma tarefa igualmente importante, o trabalho 1-b: promover o constante engajamento e o contínuo progresso das pessoas que lutam para executar aquela estratégia.”
Deixa o corpo e vai emboraSegundo o mais recente livro de Amabile e do pesquisador e escritor Steven Kramer, The Progress Principle (“O princípio do progresso”), o fator mais importante para o engajamento das pessoas é perceber avanços em um trabalho que faça sentido. “Mesmo pequenos passos adiante incrementam o que nós chamamos de vida profissional interior”, disse. Não se trata apenas de amabilidade com os empregados. As emoções, motivações e percepções das pessoas afetam o resultado da companhia – funcionários com vida profissional interior mais rica são mais criativos, produtivos e cooperativos.
Infelizmente, o engajamento no mundo das empresas não anda lá essas coisas. Não à toa, o título do artigo de Amabile e Kramer é “Como os líderes matam o sentido”. Há um enorme conjunto de pesquisas para amparar esse pessimismo. A mais recente, feita em julho pela consultoria Towers Watson, aponta que apenas 28% dos brasileiros estão altamente engajados no trabalho – ante 30% de desengajados, 16% que se sentem desvinculados da companhia e 26% que não se sentem apoiados por ela. Não é um fenômeno local. Nos 28 países em que a pesquisa foi feita, 65% das pessoas estão desengajadas na atividade profissional.
Divulgação (Foto: Divulgação)
"As pessoas falam que eu fui corajoso. Mas não foi coragem. FoiDESESPERO. Depois que descobri o que queria fazer, não conseguia mais seguir em outra direção" 
A falta de engajamento leva a um fenômeno curioso, para o qual já foi inventado um nome: presenteísmo, derivado do termo absenteísmo. É a ausência na presença. Na impossibilidade de fazer como o funcionário público do anedotário, que deixa o paletó na cadeira e vai passear, boa parte dos empregados deixa o corpo inteiro na empresa, mas sua mente viaja (para dentro de si própria, para algum site na internet ou para o vazio mesmo). Uma pesquisa feita em 2010 pelo Isma-BR (braço brasileiro de uma organização de combate ao estresse) em Porto Alegre e São Paulo concluiu que o presenteísmo atinge 18% dos trabalhadores. “É uma prática contagiosa, e tende a despertar excesso de tensão na equipe”, afirma a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente do Isma-BR.
Trata-se de um fenômeno moderno, porque o golpe do presenteísmo só é possível quando o trabalho deixa de ser meramente físico e exige parcelas crescentes de raciocínio e emoção – e quando o funcionário sente que seus interesses são muito diferentes dos da organização. Os soldados de Napoleão, por exemplo, não sofriam com o presenteísmo. Quem não estivesse alerta sabia que teria poucas chances de sobreviver numa batalha. Numa linha de montagem, acontece o mesmo. Se você não realiza sua tarefa específica, fica claro quem está atrasando o processo inteiro. Num trabalho mais subjetivo, a qualidade das ideias piora, o restante da equipe fica sobrecarregado, mas o funcionário pode passar anos sem ser descoberto.
Ruim para a empresa...bom para o país?
Para as empresas, a falta de engajamento é um desastre (basta imaginar o que é carregar um quinto da sua força de trabalho sem força para trabalhar). Para a sociedade como um todo, há estimativas de que a inércia e o desinteresse provoquem prejuízos de cerca de R$ 80 bilhões por ano, mas essa conta é recheada de imprecisões. Ela não leva em consideração, por exemplo, um fator positivo do desengajamento: empresas que não conseguem motivar suas equipes ajudam a... criar outras empresas.
Cintia Lima viveu um caso assim. Embora tivesse status e ótimo salário, como diretora de marketing de uma grande empresa de telecomunicações, sentia-se infeliz. Pior, doente. Aos 39 anos, em 2007, teve três infecções seguidas no pulmão. Começou a achar que fizera escolhas erradas. “Fui me confundindo com o papel profissional”, diz. “Usava bolsa de luxo, estava sempre acelerada, dormia três horas por noite. Vivia cheia de compromissos, para evitar um vazio que nem percebia que tinha.” Depois de nove anos na empresa, pediu demissão e partiu para uma viagem ao Nepal, para aprender meditação.
Dois meses depois, Cintia estava de volta. Não sabia o que fazer, só que não queria mais ser executiva. Encontrou inspiração no filme Chocolate, em que a protagonista desperta sensações em outras pessoas por meio dos chocolates que fabrica. Em 2008, abriu a Chocolat Des Arts, em Moema, um bairro nobre da Zona Sul de São Paulo. Hoje, aos 44 anos, apesar de dificuldades financeiras que quase a fizeram fechar a loja recentemente, Cintia tem a expressão serena. “Sei que meu projeto é de longo prazo. O que importa é que estou realizada.”
18% das pessoas deixam o corpo na empresa, mas sua mente viaja. É um fenômeno apelidado de presenteísmo, primo da desmotivação e irmão do estresse. Ele é contagioso (Foto: Ilustração Caco Galhardo)
Daniel Izzo, 36 anos, também trocou de carreira. Durante três anos, ele foi gerente de um dos produtos mais estratégicos de uma multinacional. Era prestigiado: costumava ser convidado para almoços com o executivo-chefe e a diretoria, e representava a empresa em ocasiões públicas. Mas sentia falta de algo. “Nunca me questionaram sobre os impactos do meu trabalho na qualidade de vida dos clientes. Só me cobravam lucro.” Pediu para mudar de área, foi para o RH, mas continuou insatisfeito. Então virou gerente de negócios para a baixa renda. À frente de um projeto social, ficou animado. Mas, na crise de 2008 e 2009, a companhia teve de cortar custos e seu setor foi eliminado. Foi o impulso para Izzo criar o Vox Capital, um fundo de investimento que só aposta em empresas com impacto social, em sociedade com Kelly Michel e Antonio Moraes Neto.
“As pessoas falam que eu fui corajoso. Não foi coragem. Foi desespero. Depois que descobri o que queria fazer, não conseguia mais seguir em outra direção.” Izzo diz que agora tem um propósito – o que não significa ter deixado de ser ambicioso. “Meu propósito é ajudar a diminuir a diferença social no país, mas continuo querendo ganhar dinheiro.”
Reprodução (Foto: Reprodução)
A culpa é do chefe?Quando se fala em propósito, é comum pensar na vocação do missionário, nos médicos que se embrenham em zonas miseráveis, nas pessoas que vão trabalhar no terceiro setor. Mas o universo das causas que dão sentido ao trabalho é bem maior – alimentar, transportar, construir, agasalhar, divertir, iluminar, educar, emocionar as pessoas... Esses propósitos são realizados, na maioria das vezes, por empresas. Por que então elas têm tanta dificuldade em motivar sua turma?
Parte da culpa, segundo Teresa Amabile, é dos chefes. Eles “minam o sentido do trabalho para seus subordinados através de suas ações e palavras cotidianas”. Isso inclui menosprezar a importância do trabalho ou das ideias, destruir a noção de propriedade do negócio com trocas nas equipes antes de o projeto ficar pronto, mudar metas frequentemente, falhar em comunicar mudanças de prioridade ou de estratégia. Os líderes máximos da empresa também são responsáveis, por não darem o exemplo de valorizar e reforçar o propósito do trabalho. Ela dá alguns exemplos práticos de conduta que corrói o sentido do trabalho: frisar sua preocupação com a inovação, mas concentrar-se em corte de custos (como acreditar no sentido?); mudar planos sem comunicar direito as razões (a turma fica perdida e desconfiada); falhar na coordenação de esforços dentro da organização (a confusão é inimiga do propósito); abraçar metas vagas e grandiloquentes (que levam a tropa ao cinismo).
Poucas empresas se reconhecem nesse quadro, mas a pesquisa da Towers Watson mostra que ele é prevalente. No Brasil, 46% dos funcionários dizem não conhecer a meta da empresa. Apenas 44% dizem saber que ações têm de tomar para ajudar a chegar lá. “As formas de fazer negócio mudaram radicalmente, porém as práticas de gestão de pessoas são as mesmas de 20 anos atrás”, afirma Carlos Ortega, consultor sênior da área de pesquisas com empregados da Towers Watson. “Isso é um grande problema.”
Insatisfeitos e não satisfeitosTer problemas na comunicação de propósitos não significa que as empresas não tenham outro tipo de problema, mais básico: remuneração, oportunidades e reconhecimento. Segundo uma pesquisa recente da consultoria Fellipelli, com 1,3 mil entrevistados, o principal fator de desmotivação dos trabalhadores é a falta de oportunidades de desenvolvimento, com 38,4% dos votos. Em segundo lugar aparece a falta de reconhecimento de desempenho (23,2%). Em seguida vêm os fatores mais ligados ao sentido do trabalho: liderança controladora e autoritária, funções que não utilizam as competências do profissional e a falta de feedback.
Uma pesquisa da empresa de recrutamento global Page Personnel, realizada em abril com 1,5 mil profissionais de São Paulo e do Rio de Janeiro, de 20 a 30 anos, vai na mesma linha: 20,9% buscam promoção; 19,2% querem metas e desafios; e 18,9% querem um salário melhor. A qualidade de vida aparece em quarto lugar, com 9,8%. Em suma: para a maioria das pessoas, o problema não é falta, e sim excesso de motivação. Elas querem mais responsabilidade, mais recompensa, mais envolvimento. Nas estatísticas estão misturados os casos de gente que sente que pode entregar mais do que a empresa pede e gente que apenas quer o status e o dinheiro.
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As formas de fazer negócio mudaram radicalmente, porém as práticas de gestão de pessoas SÃO AS MESMAS  de 20 anos atrás"
A análise conjunta dos resultados das três pesquisas revela que as empresas têm dois tipos de problema: de higiene e de motivação, de acordo com a teoria que o psicólogo americano Frederick Herzberg desenvolveu em 1959. Segundo Herzberg, a satisfação e a insatisfação no trabalho derivam de fatores diferentes, não do mesmo fator com sinais opostos. Assim, uma pessoa que tem salário baixo pode estar insatisfeita com o trabalho. Se receber um aumento, ela deixará de estar insatisfeita – mas não se tornará satisfeita.
Assim, há uma escala da insatisfação (comparada à higiene, porque sua ausência é negativa, mas sua presença é neutra) e uma escala da satisfação (chamada de motivação). Um corolário da tese de Herzberg é que uma pessoa pode estar, ao mesmo tempo, profundamente satisfeita e profundamente insatisfeita no trabalho.
Ou, como boa parte dos trabalhadores, segundo as pesquisas citadas acima, insatisfeita e não satisfeita. Não é à toa que as empresas estão preocupadas.
41 tons de azul
A Natura segue a teoria de Herzberg. Marcelo Cardoso, vice-presidente de Desenvolvimento Organizacional e Sustentabilidade, considera o dinheiro um fator higiênico – na hora de contratar, prefere deixar essa questão de fora. Não significa que a remuneração seja secundária, ao contrário. “A gente paga mais do que a média do mercado. Só que essa discussão não pode contaminar a conversa.” A avaliação do candidato, afirma Cardoso, deve ser feita com base na qualificação e na sua aderência aos valores da empresa. O cuidado é tanto que uma contratação pode demorar oito ou nove meses – como foi a dele próprio.
Todos os gestores que ingressam na companhia passam por um workshop de três dias para refletir e definir seus propósitos e conhecer “a essência da Natura”, suas estratégias, resultados e planos. A ideia é garantir o alinhamento de valores pessoais com os da empresa. Com tudo isso, a taxa de sucesso nas contratações é baixa, cerca de 50%, segundo Cardoso. Ele atribui os fracassos à alta exigência da Natura. “Muitos pensam que estão alinhados com a empresa, mas, na prática, se estressam ao ver que é muito mais complexo criar um produto que seja atraente, vendável e, ao mesmo tempo, não cause impactos negativos ao meio ambiente.”
Também a Kimberly-Clark tem um processo voltado para conferir sentido ao trabalho. A multinacional de produtos de higiene entrou no Brasil em 1996, por uma joint venture com a Kenko e, em seguida, se associou também à Klabin. Era uma empresa com dois presidentes, duas equipes – e sem cara própria. O resultado era um ambiente cinza, diz Fernanda Abrantes, gerente da área de recursos humanos (lá chamada de talent management, gestão de talentos). Desde 2002, a Kimberly vem usando a metodologia do Instituto Great Place to Work para elevar o engajamento. As estratégias implantadas pelo seu presidente, João Damato, incluíram criar e disseminar o propósito (“ser essencial para uma vida melhor”) para todas as camadas da companhia, promover um encontro anual do presidente com toda a empresa e valorizar as ideias dos funcionários. Este ano, a Kimberly ficou em segundo lugar no ranking das 100 Melhores Empresas para Trabalhar no Brasil (publicado pela revista Época, também da editora Globo).
30% dos trabalhadores brasileiros se consideram desengajados e 26% se queixam de não ter apoio de suas empresas, segundo uma pesquisa feita pela consultoria Towers Watson  (Foto: Ilustração Caco Galhardo)
Mesmo todos esses investimentos não garantem o engajamento. Nenhuma empresa será motivadora para qualquer um, pelo óbvio motivo de que as pessoas são diferentes. Um exemplo é o do ex-diretor de design do Google, Douglas Bowman, que pediu demissão em 2009. Trata-se de uma empresa que está constantemente entre os líderes do ranking do GPTW nos Estados Unidos (e também no Brasil). Em seu blog, Bowman registrou a insatisfação com o trabalho – que envolvia busca de consenso e decisões democráticas, aparentemente ao extremo. “Uma equipe não conseguia decidir entre dois tons de azul, então eles estão testando 41 tons para ver qual funciona melhor. Tive um recente debate sobre se uma borda [de um site] devia ter três, quatro ou cinco pixels de largura, e fui desafiado a provar minha posição. Não posso funcionar num ambiente assim. Estou exausto de debater essas decisões minúsculas.”
O caso de Bowman mostra que sentido não é tudo. A receita da felicidade no trabalho inclui (além dos fatores higiênicos) autonomia, bom relacionamento com as pessoas, oportunidades de crescimento pessoal, estar à vontade nos ambientes... Uma empresa preocupada em reter talentos e extrair deles o seu melhor deve estar preparada para fornecer tudo isso. Mas será que a responsabilidade é só dela?
A CARREIRA SUBIU NO TELHADO
Onde o dom encontra a paixão
“Vitalidade é uma palavra crítica, e vitalidade vem de dentro para fora”, diz Leider, o consultor americano especializado em propósito. “É obviamente importante que você tenha ar puro, comida boa, exercícios e todos os outros ingredientes. Mas a vitalidade em todo o seu esplendor aparece quando alguém usa seus dons em algo que lhe provoque paixão, em um ambiente que nutra seus valores.” Não é muito diferente do que afirmava o filósofo grego Aristóteles, 23 séculos atrás: “Onde as necessidades do mundo e os seus talentos se cruzam, aí está a sua vocação”.
No melhor dos mundos, as duas coisas andam juntas. Se você tem uma paixão, se dedica a ela com tanto afinco que acaba desenvolvendo um talento extraordinário. Os Beatles só se tornaram os Beatles depois de tocar inúmeras horas em clubes obscuros da Alemanha. Essa não é a regra, porém, como mostram os incontáveis casos de pintores medíocres, cantores de karaokê e futebolistas de várzea – e até alguns casos de fama mundial, como o tenista Andre Agassi (leia na pág. 100). O filósofo Roberto Romano, da Unicamp, diz encontrar esse dilema várias vezes, quando é convidado a orientar alunos de pós-graduação. “A pessoa pode ter mais facilidade para uma coisa, mas não encontrar prazer nela. Ou pode ter o gosto, mas não ter o refinamento intelectual. Os dois casos geram sofrimento.”
Um exemplo dessa busca é o publicitário baiano Eduardo Sampaio, de 37 anos. Ele sempre foi apaixonado por arte, mas tinha facilidade na área de comunicação. Durante oito anos, trabalhou no marketing das empresas RedBull, Ambev, Coca-Cola e LiveAD. “Eu gostava do que fazia, mas tinha um fascínio pelo universo artístico, que acabava não desenvolvendo”, diz. Quando um amigo o convidou para uma sociedade, ele decidiu arriscar: virou fundador e produtor executivo da Primitivo Films & Content. Diz ter conseguido o ideal citado por Leider. “Além de produzir só filmes de arte e entretenimento, uso minha experiência com marketing, o lado racional do negócio.”
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No passado, o que regia o trabalho era a ética do dever, o compromisso e a oportunidade de estar em uma empresa. Hoje, prioriza-se a ÉTICA DO PRAZER"
Das três variáveis do engajamento elencadas por Leider, duas pertencem ao próprio indivíduo: os dons e a paixão. À empresa cabe apenas a terceira – criar um entorno com valores claros, de reforço positivo. “Não é possível motivar ninguém, mas cabe ao líder criar um ambiente propício à automotivação”, afirma Carlos Aldan, CEO do Grupo Kronberg, que oferece programas de liderança e coaching para empresas.
Porém, mesmo o maior esforço para criar um ambiente não vai segurar um profissional que não se identifique com o propósito da companhia. É o que mostra o caso do engenheiro agrônomo Marcelo Noronha, 40 anos. Seu sonho era trabalhar com produção orgânica, mas, 15 anos atrás, quando saiu da faculdade, empregou-se numa multinacional que fazia experiências com sementes e produtos agrícolas – algo contrário a seus valores. Ele passou ainda pelo mercado financeiro (acompanhava a cotação do trigo na bolsa), por um portal de agronegócios e por uma empresa que negociava café e frutas.
Em paralelo a esse trabalho, formou-se certificador de orgânicos e conheceu os principais produtores de São Paulo e arredores. Em 2005, largou o emprego e fundou a Minha Horta, hoje uma referência em plantação urbana (em quintais ou varandas) e telhado verde (no topo de prédios ou casas), além de prestar consultoria para produtores de maior escala. Ficou famoso, com clientes como o Grupo Fasano e Ronaldo Fenômeno. “Meu trabalho é colocar vida na casa das pessoas. Vejo crianças se alimentarem melhor, familiares que se aproximam porque um leva uma muda de alface para o outro. É gratificante.”
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Uma saudável revoltaAs empresas que pensam em incutir motivação em seus funcionários já demonstram não estar entendendo o mundo atual. “No passado, o que regia o trabalho era a ética do dever, o compromisso e a oportunidade de estar em uma empresa. Hoje, o profissional prioriza a ética do prazer. Se não se identifica como parte daquele grupo, vai embora”, diz Carlos Ortega, da Towers Watson.
“Aprendi muito num banco de investimentos, mas não me via de terno e gravata, falando de números, sem fazer nada para deixar algo melhor para o mundo”, afirma o ex-estagiário carioca Marcos Leta, de 29 anos. Para relaxar de um dia de trabalho em que não enxergava o sentido, costumava parar numa das muitas casas de suco do Rio de Janeiro. E aí teve sua inspiração empreendedora. “Começou a me dar vontade de criar um suco para mim e para outras pessoas, sem perder aquela qualidade da fruta.” Em 2009, Leta abriu sua empresa, a Do bem, que fabrica suco integral longa vida “feito por jovens cansados da mesmice” (e hoje distribui sucos para 3 mil pontos de venda espalhados pelo Sul e Sudeste do Brasil, além de Brasília). Emoldurou a gravata e pendurou-a na parede do escritório. Cada um dos 30 funcionários foi convidado a fazer o mesmo: escolher um objeto de que não gostava no emprego anterior para enquadrar e pendurar em uma sala que tem piso de grama sintética. “É uma crítica bem-humorada, uma maneira de deixar claro que naquela empresa a comunicação é de igual para igual.”
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Exigimos que nosso trabalho tenha significado. Isso quase sempreACABA MAL. O significado é como a felicidade – quanto mais se procura, menos se acha"
Segundo o filósofo Roman Krznaric, cofundador com o suíço Alain de Botton da School of Life, em Londres, vivemos uma espécie de era da realização, “em que o grande sonho é trocar dinheiro por um sentido na vida”. Comentando por e-mail seu recém-lançado livro, Como Encontrar o Trabalho de Sua Vida, Krznaric disse: “Muitas pessoas esperam que seus trabalhos forneçam significado e propósito para suas vidas, com base em seus valores, talentos e paixões. Esta mudança extraordinária é uma invenção moderna”.
91% das pessoas estressadas ficam desmotivadas, segundo pesquisa do Isma-BR. E 41% dos brasileiros se dizem mais estressados que em 2011, segundo pesquisa da britânica MindMetre (Foto: Ilustração Caco Galhardo)
O mecanismo é razoavelmente simples e está relacionado ao enriquecimento da população. Até poucas décadas atrás, o trabalho era nobre pelo simples fato de que permitia a sobrevivência. Passado um certo nível de atendimento das necessidades básicas, as pessoas começam a demandar o que os sociólogos apelidam de valores pós-materialistas.
“Hoje é comum os candidatos a emprego perguntarem qual a proposta de valor da empresa”, diz Rodrigo Vianna, diretor da consultoria de recrutamento Hays. “Antes, os funcionários se viam muito mais presos a uma companhia por não terem perspectivas fora dela”, diz. Isso tem a ver com a situação econômica – a queda do desemprego a apenas 5,3% da população economicamente ativa, segundo o IBGE – mas também com uma mudança geracional. “Está havendo uma saudável revolta, um renascimento do trabalho”, diz José Carlos Teixeira Moreira, presidente do Instituto de Marketing Industrial, uma consultoria de negócios entre empresas. “Os jovens estão cada vez mais voltados para companhias onde a longevidade humana, a qualidade de vida e o prazer em viver são os maiores valores.” Diz Teixeira Moreira: “Na minha época, ou você fazia de acordo com o que mandava o figurino ou ficava pobre. Hoje, os jovens estão fazendo de acordo com o que os realiza e estão ficando ricos”.
Vai com o fluxo
Nem todo o mundo encara a busca de sentido no trabalho de forma tão otimista. Para o psicólogo organizacional Sigmar Malvezzi, da USP, ela reflete uma crise de valores na sociedade. O enfraquecimento da religião, da coesão comunitária, das grandes causas nacionais, e a ascensão da liberdade individual e do consumismo criaram um vácuo de propósitos maiores. “Antes, não era preciso aprender sobre o sentido do trabalho, porque uma força transcendental funcionava como um parâmetro. Todas as decisões, do casamento ao emprego, eram regidas por essa referência.”
Não é possível motivar ninguém. Mas cabe ao líder criar um ambiente propício à automotivação"
CARLOS ALDAN, CEO DO GRUPO KRONBERG 
Em 2003, a executiva alemã Judith Mair criou polêmica entre os gurus de gestão de pessoas, com seu livro Schluss Mit Lustig (“Chega de diversão”). Tratava-se de uma pesada crítica a movimentos como a busca de um trabalho mais humano e cheio de sentido. Segundo ela, as políticas de motivação difundidas desde o final do século passado, como horários flexíveis, home office, academia, creche no trabalho e outras inovações que atribuem ao ambiente um aspecto afetivo e familiar, não passam de artimanhas para mascarar uma exigência crescente de resultados. Numa linha similar, a jornalista e colunista britânica Lucy Kellaway criticou, em artigo na BBC, a busca de propósito no trabalho. “Começamos a exigir que nosso trabalho tenha um significado maior. Isso quase sempre acaba mal. O significado é um pouco como a felicidade – quanto mais você a procura, menos a encontra.”
38,4% dos brasileiros se queixam da falta de oportunidades de desenvolvimento; 23,2% sentem falta de reconhecimento por seu desempenho, segundo uma pesquisa da consultoria Fellipelli (Foto: Ilustração Caco Galhardo)
Por paradoxal que seja, uma das teses mais admiradas hoje em psicologia diz que o estado ideal em uma atividade é quando a pessoa praticamente perde a consciência de si própria. O psicólogo americano de origem húngara Mihaly Csikszentmihalyi (pronuncia-se Tchic-sent-mirráli) chama esse estado de flow (fluir). É quando a tarefa é desafiadora, mas você sente que é possível realizá-la, e fica completamente imerso nela. “Você esquece de si mesmo. O sentido de tempo desaparece. Você se sente parte de algo maior”, diz.
Um nível abaixo do estado de flow, você tem a sensação de controle e conforto – suas habilidades superam o desafio. Acima, está a excitação. É a região onde se dá o aprendizado: quando você tem de desenvolver habilidades para lidar com o desafio.
Não é possível passar todas as horas de trabalho na região ótima, de flow. Mas se o seu trabalho não lhe oferece uma proporção razoável dessa sensação, está aí um bom sinal de que está lhe faltando um propósito.