sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Dá para ser feliz? | Época NEGÓCIOS

Dá para ser feliz? | Época NEGÓCIOS - notícias em Dilemas

A procura da felicidade é uma indústria em crescimento. Livros de autoajuda geram cerca de US$ 1 bilhão em vendas anuais – uma fração modesta dos US$ 17 bilhões movimentados no mercado global de antidepressivos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a depressão era o quarto maior problema de saúde pública do planeta em 2010 e avança para se tornar a segunda causa de invalidez até 2020. O mundo do trabalho é um palco privilegiado para esse drama. Em 2005, a consultoria Towers Perrin conduziu uma pesquisa com 86 mil funcionários de grandes e médias companhias em 16 países, medindo o quanto cada um estava “altamente engajado”, “moderadamente engajado” ou “não engajado” no trabalho. Cerca de 85% dos participantes enquadraram-se em uma das duas últimas categorias. Em diversos países desenvolvidos, o engajamento dos trabalhadores está no nível mais baixo de todos os tempos.
A julgar pelos resultados dos raros estudos feitos no Brasil, a situação nas organizações daqui pode ser ainda pior. Uma pesquisa da consultoria de recursos humanos Right Management com 5.685 trabalhadores brasileiros obteve 48% de respostas negativas à pergunta “Você é feliz no seu trabalho atual ou na sua última ocupação?”. Entre as mulheres, o mesmo índice é de 59%. Com os níveis de emprego e renda em patamares historicamente elevados, é razoável arriscar um diagnóstico: a crise é de propósito.
“Muitos de nós não trabalhamos por dinheiro apenas. Alguns querem mudar o mundo, outros, criar objetos de arte que permanecerão. Alguns batalham para ganhar a fama, enquanto outros ficam contentes em fazer o bem anonimamente. Para muitas pessoas, os efeitos visíveis do trabalho são a maior recompensa”, escreve o economista indiano Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do FMI, em Fault Lines, um estudo sobre a crise financeira global de 2008 que foi eleito o livro de negócios do ano pelo Financial Times em 2010. “Para o professor, testemunhar o momento eureca, quando a compreensão enfim nasce em um estudante; para o médico, a alegria incrível de salvar a vida de um paciente; para o fazendeiro, a visão de acres e acres de trigo dourado oscilando gentilmente com a brisa – para todas essas pessoas, a motivação primária é saber que o trabalho faz do mundo um lugar melhor.”
Rajan cita, em seu livro, um experimento feito por pesquisadores do MIT e da Universidade de Chicago sobre a importância de um significado para o trabalho. Observado por cientistas, um grupo de estudantes recebia peças de Lego para montar figuras humanas. Cada aluno tinha direito a uma recompensa por modelo montado, só que o pagamento era menor a cada homenzinho concluído, de modo que, em algum momento, o trabalho deixava de ser interessante do ponto de vista econômico. Numa das rodadas, os modelos montados eram deixados à frente do estudante à medida que ele ou ela trabalhava. Em outro momento, as figuras prontas eram desmontadas de imediato, e as peças voltavam a ser oferecidas. “A simples diferença entre permitir que o trabalho do participante permanecesse (ao menos pela duração de sua participação) e desfazê-lo de imediato, sem deixar vestígio, fez uma enorme diferença na disposição para trabalhar, ainda que os benefícios monetários fossem idênticos”, escreveu Rajan. Quando podiam ver o que estavam construindo, os estudantes montavam, em média, 10,6 homenzinhos cada um. Quando as figuras eram desfeitas, a média caía para 7,2.
Significado é a nova moeda, diz uma professora de Harvard. “É o que as pessoas estão procurando. valores organizacionais claros”
Professor de finanças na Universidade de Chicago, Rajan considera essa experiência de particular interesse para seus alunos, colegas e futuros profissionais do ramo. Em diversas funções no setor financeiro, é difícil enxergar os efeitos do trabalho de cada um. “Como o trabalhador em uma linha de montagem, a corretora que vende títulos emitidos para um projeto de energia elétrica raramente vê a eletricidade que é produzida: ela tem pouca percepção de qualquer resultado material de seu trabalho”, afirma ele em seu livro. A medida mais direta da contribuição dada por um trabalhador do setor financeiro é o dinheiro que ele ou ela ganha para a firma onde trabalha. Esta é a razão da eficiência do sistema e também de sua vulnerabilidade. “Estamos aprendendo que o lucro como motivo, potente como ele é, pode ser insuficiente tanto para indivíduos como para organizações”, afirma Daniel Pink, o mais prestigiado especialista em motivação da atualidade, em seu livro Drive.
O juramento do MBA
Na primavera de 2009, com a economia global se recuperando do quase colapso de setembro de 2008, uns poucos estudantes da escola de negócios de Harvard “olharam no espelho e se perguntaram (...) se eles eram o problema”, relata Pink. Temeroso de que, depois da crise, um diploma da mais conhecida escola de negócios do mundo se tornasse um mico, um grupo de alunos do segundo ano concebeu, assinou e divulgou uma carta de intenções que foi batizada de “O Juramento do MBA”. Começa assim:
“Como um administrador, meu propósito é servir o bem maior ao unir pessoas e recursos para criar um valor que nenhum indivíduo pode criar sozinho.”
Psicólogos e economistas já encontraram evidências de que a correlação entre dinheiro e felicidade é fraca. Passado certo nível, uma pilha maior de notas não nos leva a um nível superior de satisfação.
Uma pesquisa com estudantes recém-formados na Universidade de Rochester comprova essa teoria e sugere que o juramento de Harvard pode oferecer àqueles futuros administradores mais do que uma imagem positiva. As pessoas que têm metas relacionadas a propósito, e sentem que as estão atingindo nos primeiros dois anos depois da formatura, relatam níveis mais altos de satisfação e bem-estar do que quando estavam na faculdade, e níveis baixos de ansiedade. O mesmo não pode ser dito dos recém-formados com metas baseadas em lucro – mesmo quando atingem seus objetivos. Isto significa que a satisfação depende menos de ter metas do que daquilo que Pink define como ter os objetivos certos.
Na definição inspirada de Tamara Erickson, uma professora da própria escola de negócios de Harvard, o significado é a nova moeda. “É o que as pessoas estão procurando. Valores organizacionais claros, traduzidos no trabalho do dia a dia”, afirmou ela em um texto para a versão digital da revista Harvard Business Review.
Tamara vem conduzindo pesquisas sobre motivação e novas carreiras focadas em criatividade e colaboração. Segundo ela, seu trabalho “tem mostrado claramente que níveis altos de engajamento e o esforço adicional associado a eles ocorrem quando nossas experiências no trabalho refletem um conjunto claro de valores que compartilhamos”.
A moeda de troca mais bem recebida pelo trabalho muda durante a vida. Na juventude, é o aprendizado. Depois, passa a ser o dinheiro. Em seguida, vira poder. Mais tarde é o prestígio. Depois pode se tornar um misto de desafio intelectual e qualidade de vida. Em geral, termina sendo a possibilidade de retribuição. “Chega um momento em que você quer dar [alguma coisa] de volta para a sociedade. Você vai dar aula, participar de conselhos, montar uma ONG”, diz Cássio Casseb, ex-presidente do Banco do Brasil e do Pão de Açúcar. “Não adianta dar prestígio para um cara que precisa de dinheiro. Não adianta dar um curso para um cara que necessita de poder. Você tem de adequar as moedas aos momentos que as pessoas vivem.”
Casseb diz ter cometido erros na gestão de pessoas no começo de sua carreira. Dois ou três de seus melhores funcionários nunca se formaram. Nos anos 80, ele recrutava estagiários na Poli, a faculdade de engenharia da Universidade de São Paulo, e os levava para trabalhar no mercado financeiro. “O cara ia bem? Grana. Ia bem de novo? Responsabilidade. Se superava? Cargo. O cara ia subindo e acabava largando a escola”, diz Casseb.
Promover rápido demais ou para a posição errada, não raro, é um castigo involuntário. Não é todo mundo que vai ser feliz liderando. “Às vezes você tem um cara que é um típico especialista”, diz Casseb. “É um sujeito para quem se deve dar mais responsabilidade ou mais dinheiro para que permaneça na posição onde está. Mas, por engano, você o promove para uma posição onde ele não tem prazer no trabalho – e vira um desastre.”
Promover rápido demais ou para a posição errada, não raro, é um castigo involuntário. Nem todo mundo será feliz liderando.
As empresas devem prestar atenção nisso
A relação entre subir na vida e ser feliz é mais tênue do que pode parecer. “Não vamos achar que ser presidente [de uma empresa] é a concretização da felicidade”, diz Fabio Barbosa, hoje presidente executivo do Grupo Abril. Há respaldo teórico para esta afirmação. “O prazer de conseguir o que você quer é frequentemente fugidio. Você sonha em ser promovido, ser aceito em uma escola prestigiosa ou terminar um grande projeto. Você trabalha todo o tempo em que está acordado, talvez imaginando (sobretudo nas horas difíceis) o quão feliz seria se apenas pudesse atingir essa meta. Então você tem sucesso e, se tiver sorte, ganha uma hora, talvez um dia de euforia”, afirma o psicólogo Jonathan Haidt no livro A Conquista da Felicidade. “Mais tipicamente, contudo, você não tem nenhuma euforia (...), a sensação é mais de alívio – o prazer do fechamento e da entrega.”
A moral da história parece ser que o importante, também em uma carreira, não é aonde vamos chegar, mas o quanto vamos nos divertir no caminho.
A máscara social do brilho nos olhos
Desde pequenos, aprendemos a separar trabalho e diversão no tempo e no espaço. De início, são os professores que nos ensinam que a sala de aula não é lugar de brincadeira. Enquanto isso, os demais adultos insistem em nos dizer que adoram seus trabalhos – embora quase nunca pareçam sinceros. Levamos um tempão para entender que se trata de uma espécie de máscara social que teremos de usar quando ficarmos mais velhos. Gente bem-sucedida, aprendemos mais tarde, precisa exibir “brilho nos olhos” o tempo todo.
Os pais nem sempre são insinceros. Com frequência, chegam exauridos ou entediados do trabalho e nem tentam disfarçar. Dia após dia. Em algum momento, acabam revelando a verdade: fazem esse sacrifício para manter um padrão de vida elevado para a família. O exemplo seria positivo, se não tivesse alta probabilidade de inibir a busca da felicidade no trabalho quando os filhos tiverem de decidir o que fazer da vida.
Quanto, afinal, precisamos gostar do que fazemos? Se ignorarmos essa pergunta por julgá-la fútil, corremos o risco de abandonar cedo demais a busca por nossa verdadeira vocação. “Você acabará fazendo alguma coisa escolhida para você pelos seus pais, ou pelo desejo de ganhar dinheiro ou prestígio – ou por pura inércia”, escreve Paul Graham, um capitalista de risco do Vale do Silício. Um parâmetro sugerido por ele é: “Você tem de gostar do que faz o bastante para que o conceito de ‘tempo livre’ pareça equivocado. O que não quer dizer que você tenha de passar todo o seu tempo trabalhando. Você só pode trabalhar por algum certo tempo antes de ficar cansado e começar a pisar na bola. Aí você vai querer fazer outra coisa – mesmo que seja algo estúpido. Mas você não vai considerar esse tempo um prêmio e o tempo que gastou trabalhando como uma dor que suportou para conquistá-lo”.
Um bom teste, sugerido por Graham, para descobrir se as pessoas amam para valer o que fazem da vida é perguntar se elas o fariam mesmo se não fossem pagas – mesmo que tivessem de arranjar outro emprego para sobreviver.
“Quantos advogados corporativos fariam seu trabalho se tivessem de fazê-lo de graça, em seu tempo livre, e trabalhar de garçom durante o dia para sobreviver?”, pergunta Graham. “Parece seguro dizer que há mais aspirantes a romancista cujos pais querem que eles sejam médicos do que aspirantes a médico cujos pais querem vê-los transformados em escritores.”
Eis a regra de Paul Graham, um capitalista de risco do Vale do Silício: “Você tem de gostar do que faz o bastante para que o conceito de tempo livre pareça equivocado” 
O escritor suíço-britânico Alain de Botton, famoso por popularizar filosofia, literatura e religião, observou que vivemos em uma era na qual nossas vidas são sacudidas com regularidade por crises profissionais. “Talvez seja mais fácil do que nunca ganhar a vida e mais difícil do que nunca estar tranquilo, livre da ansiedade com a carreira”, disse ele, em uma palestra em Oxford. Segundo De Botton, é tão improvável hoje que você fique rico como Bill Gates como era para um plebeu do século 17 chegar à aristocracia. A diferença é que não parece ser assim. Livros e revistas de autoajuda querem nos fazer crer que, se tivermos energia, ideias brilhantes e uma garagem, podemos começar uma nova Microsoft. “Em boa parte do tempo, nossas ideias sobre o que significaria viver com sucesso não são as nossas próprias”, afirma ele. “Elas foram sugadas de outras pessoas (...), da televisão à publicidade.”
O dinheiro é uma boa métrica para definir nosso sucesso profissional – mas está longe de ser a única. A remuneração, sozinha, quer dizer bem pouca coisa. Ela segue sendo importante, é claro, porém tem sido rebaixada à condição de um entre vários itens de uma cesta de motivações. A economia é a ciência da escassez, e hoje há mais oferta de dinheiro do que de sentido nos mercados de trabalho dos países desenvolvidos e emergentes. Logo, propósito é uma moeda forte. Mais forte que o dólar, o euro ou o real, quando se trata de criar “pacotes de felicidade” que fazem a diferença – tanto para as pessoas como para as empresas.   
Felicidade S.A. (Foto: Divulgação)

Este texto foi extraído e adaptado
do livro Felicidade S.A. (editora arquipélago),
recém-lançado pelo jornalista Alexandre Teixeira 

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