sábado, 27 de novembro de 2010

Negócios no Brasil por estrangeiros

Gringos que fazem

Apesar das barreiras e da crise mundial, os estrangeiros estão voltando a abrir negócios no Brasil. O que eles vêm fazer num país hostil ao empreendedor?
ELISEU BARREIRA JUNIOR


VISÃO O empresário americano Chris Packard em frente a um de seus restaurantes, em Florianópolis. Ele reclama dos impostos, mas é otimista com a expansão
Se abrir um negócio é um exercício de masoquismo para os brasileiros, há um grupo ainda mais sofredor que os demais: os imigrantes que atravessam o mundo para vir ao Brasil tentar criar negócios. Além da burocracia e dos impostos, eles têm de lidar com as barreiras do idioma e da diferença de costumes. Só recentemente começou-se a quantificar os masoquistas de fora. De janeiro de 2006 a junho deste ano, o Ministério do Trabalho concedeu mais de 5 mil vistos permanentes a “investidores pessoa física”, termo governamental para os estrangeiros que trazem dinheiro para abrir empresas por aqui.

O número desses vistos cresceu 31% entre 2006 e 2008, para mais de 1.300 por ano. Caiu no auge da crise financeira global, mas voltou a subir agora. No primeiro semestre de 2010, os 431 imigrantes que conseguiram esse tipo de visto trouxeram um volume de investimento dois terços maior que o registrado no primeiro semestre do ano passado.

Para obter o direito de se estabelecer no país, o estrangeiro precisa comprovar investimentos, em moeda estrangei-ra, em valor igual ou superior a R$ 150 mil (até fevereiro de 2009, bastavam US$ 50 mil). A proposta de negócio preci-sa passar pelo Conselho Nacional de Imigração, que avalia o “interesse social” da nova empresa, caracterizado pela geração de emprego e renda no Brasil (dependendo do caso, pode-se aceitar investimento inferior a R$ 150 mil). Se-gundo o Ministério do Trabalho, investimentos de estrangeiros pessoa física abrem 2 mil postos de trabalho por ano para brasileiros.

O que buscam aqui essas pessoas? Parte delas relata motivações previsíveis, como a vontade de viver num lugar ensolarado, perto da praia. O francês Christian Noviot, de 44 anos, é desse time. Depois de trabalhar como designer gráfico em Paris, Barcelona, Cidade do México e São Paulo, decidiu ficar no Brasil. Vendeu boa parte dos bens que possuía e investiu cerca de R$ 500 mil na construção da Pousada Patacho, em Alagoas, inaugurada em 2007. Hoje, Noviot emprega sete pessoas. “Os primeiros anos são muito difíceis. Tem de passar pela baixa temporada, contar com a propaganda boca a boca”, diz. “Mas era um sonho, eu queria ter outro estilo de vida.”

Apesar de a maior parte do investimento desses imigrantes ir para empreitadas à beira-mar, em Estados como Ceará e Rio Grande do Norte, não fica só nisso. O americano Chris Packard, de 34 anos, trabalhava no banco de investimentos Merrill Lynch. Em fevereiro de 2008, decidiu largar o emprego de sete anos e abrir um negócio. Apesar da facilidade que teria nos Estados Unidos, achou que haveria maiores chances de sucesso no Brasil. Dez meses depois, inaugurava em Florianópolis um restaurante de comida japonesa. Logo investiu em uma rede de fast-food, o Cactus Mexican Food. Em cinco anos, ele pretende ter 50 restaurantes franqueados. O primeiro foi inaugurado em 2009 no Shopping Iguatemi, em São Paulo – 13 brasileiros trabalham ali.

Packard reclama da burocracia e dos impostos, mas não se arrepende de ter vindo para o Brasil. “Nos Estados Uni-dos, há muita concorrência, dezenas de restaurantes de comida mexicana poderosos, ao contrário do que acontece aqui.” Um de seus sócios, o americano David Allred, de 33 anos, já trabalhava com projetos imobiliários em Florianópolis. Veio ao Brasil em 2008 sondar o mercado. Estudou português durante seis meses, avaliou as perspectivas – e ficou de vez. “Não pretendo voltar. Como há um enorme potencial de crescimento da economia brasi-leira, posso crescer com ela.”

O alemão Thomas Rau, de 48 anos, pensava em viver no Brasil não por causa da economia, mas por ter se ca-sado com uma brasileira, a paulista Heike. Na Alemanha, ele tinha uma frota de veículos para transporte de executi-vos. No Brasil, enxergou espaço para outro tipo de negócio: uma cervejaria artesanal. O casal fez as malas e, em 2008, Rau abriu sua cervejaria em Cunha, São Paulo. “Aqui há muita cerveja industrializada, sem gosto, com ingredi-entes ruins”, afirma. “Não quero produzir grande quantidade, mas quero fazer a melhor cerveja do país.”

Imigrantes que abrem negócios
Iniciar uma pequena empresa no Brasil é um grande desafio. Apesar disso, há estrangeiros dispostos a arriscar

Estrangeiros casados com brasileiros enfrentam menos dificuldades para obter o visto permanente. É o caso do bri-tânico Ian Bannister, de 49 anos. Ele chegou a trabalhar na diplomacia britânica no Brasil nos anos 80 e casou-se com uma brasileira. Em 1998, o casal decidiu se instalar no Brasil. Trabalhou em um banco em Curitiba e, em 2007, abriu a consultoria de risco Critical Corporate Issues (CCI). A empresa, em São Paulo, presta serviços como orientar investi-dores estrangeiros que desejam colocar dinheiro no Brasil. “Esse setor é muito promissor, já que o país está crescen-do e desperta interesse”, diz Bannister.

Vários fatores podem explicar a renovada atenção dos estrangeiros, como a economia ter escapado rapidamente da crise mundial, a Copa do Mundo de 2014, as Olimpíadas de 2016, a expansão do consumo, do crédito e da renda e a imaturidade de diversos setores, ainda com grande potencial de expansão. Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, apresenta o último fator: “A vinda desses imigrantes reflete, em parte, a falta de empreendedorismo nacional”.

O número de imigrantes empreendedores poderia ser muito maior. Alfredo Behrens, professor de gestão intercultural na Fundação Instituto de Administração, da Universidade de São Paulo (USP), acha que o governo deveria facilitar a entrada desses estrangeiros. “Nossas fronteiras deveriam estar sempre abertas para o talento, a competência e a livre-iniciativa”, diz. Paulo Sérgio de Almeida, coordenador-geral de Imigração do Ministério do Trabalho, concorda com a im-portância dos imigrantes, mas não vê necessidade de facilitar mais essa entrada.

A experiência internacional mostra que facilitar a imigração de cérebros traz bons resultados. Nos Estados Unidos, havia pelo menos um imigrante entre os fundadores de 25% das empresas de tecnologia e engenharia abertas entre 1995 e 2005, de acordo com um levantamento da Universidade Duke e da Universidade da Califórnia. Essas companhias gera-ram cerca de 450 mil empregos em 2005. Márcio Nakane, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, destaca o ganho cultural que o Brasil pode ter. “A ação de empreender, ou seja, decidir ganhar dinheiro com um negócio próprio, é pouco comum em nossa sociedade”, diz. “Além disso, a maneira como esses estrangeiros administram pode nos ensinar muito.” Trata-se de deixar entrar ideias que ajudem a construir um Brasil dinâmico, que pensa e age global-mente.

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