John Naisbitt, autor do clássico Megatendências, forma, com Alvin Toffler, a dupla de futurólogos mais conhecida do planeta. Ambos são norte-americanos e hoje octogenários. “Vinte anos atrás, John Naisbitt publicou Megatendências com previsões altamente precisas”, escreveu o diário britânico Financial Times. “Ele não errou em nenhuma delas.” Depois de se formar na Universidade Cornell, Naisbitt fez carreira na IBM e na Kodak e foi assistente dos presidentes John Kennedy e Lyndon Johnson. Uma das mudanças que abordou em sua obra-prima, datada de 1982, foi a transição da sociedade industrial para a sociedade da informação – bem antes de tal transição tornar-se evidente.
“Quando escrevo sobre o futuro”, disse Naisbitt tempos atrás, “não posso ter medo de que minhas conclusões se revelem falsas mais à frente.” Sua missão não é estar certo, mas sim ordenar pensamentos dispersos sobre o que está para acontecer, de modo a formar tendências compreensíveis, às quais empresas e indivíduos possam tentar se antecipar. Hoje, aos 82 anos, este americano de Salt Lake City passa boa parte do tempo na China. Nesta entrevista a Época NEGÓCIOS, Naisbitt fala da transferência da liderança econômica do Ocidente para o Oriente e antecipa um planeta novamente dividido entre duas potências. “Não estamos nos tornando um mundo multipolar, mas um mundo bipolar, dominado pelos Estados Unidos e a China”, afirma.
1. O senhor se arriscaria a apontar algumas megatendências para os próximos dez ou 20 anos?_Uma das grandes tendências é tão óbvia que não há risco em apontá-la. É a mudança da liderança econômica do Ocidente para o Oriente. A grande questão é que consequências essa mudança terá. O Ocidente ainda está em negação. Temos de nos acostumar a um mundo no qual o Ocidente não pode mais fixar as regras. A líder do Oriente, a China, está abordando o progresso de um modo diferente. No Ocidente, o indivíduo era a força motriz e o ambiente em torno dele tinha de se adaptar. Na China, a liderança fixa uma meta estrategicamente – hoje, é fazer da China um país inovador – e cria o ambiente no qual indivíduos podem operar independentemente para atingir os objetivos comuns dele e do país. A China vai dar um salto em novas tecnologias tendo como ponto de partida um patamar igual ao do Ocidente. Multiplique o potencial dos Estados Unidos por três e você saberá o que esperar.
2. A ascensão de países emergentes, como o Brasil, sugere o surgimento de um mundo multipolar. É o que o senhor espera?_Os principais jogadores nas próximas décadas serão os Estados Unidos e a China. Ao contrário do que muitos esperam, não estamos nos tornando um mundo multipolar, mas um mundo bipolar, dominado pelos Estados Unidos e a China, porém com uma diferença. Diversamente do velho mundo bipolar da União Soviética no século passado, o espaço para engajamento será econômico em vez de ideológico.
3. Em seu livro O Líder do Futuro, o senhor fala de mentalidades apropriadas para líderes dispostos a antecipar tendências. É possível aprender a prever o futuro?_O maior obstáculo para antecipar o futuro é que tendemos a dar atenção a eventos que confirmam o que já acreditamos em vez de estar abertos ao que representa uma virada em relação ao que cremos. Somos flexíveis para nos adaptar a novas tecnologias, mas lentos em aprender a linguagem dos novos paradigmas. O conselho é simples: monitore, isole e avalie informações. Com o passar do tempo, você será capaz de ver as conexões e as direções para as quais elas estão apontando.
4. Pode explicar sua afirmação de que, na primeira metade deste século, teremos apenas inovações incrementais, em vez de avanços revolucionários?_Teremos progresso em muitas das novas tecnologias. Grandes passos, por exemplo, em nanotecnologia, robótica e certas tecnologias para baterias. Contudo, eles estão sendo dados sobre uma base que já foi pavimentada. Se pudermos dar um salto em tecnologia para baterias, que é a parte inovadora em carros elétricos, aviões elétricos, estocagem de energia e assim por diante, isto poderia mudar o mercado global de energia dramaticamente. Mas ainda seria uma mudança incremental.
5. O senhor já disse que tendências e ideias começam em pequenas cidades e comunidades locais, não em grandes centros urbanos. Por quê?_Você não pode planejar uma tendência. Nova York pode dar o tom, mas não compõe a música. A maioria daquilo que chamamos de tendências são modismos. Modismos vêm e vão. As tendências da era da agricultura para a era industrial e para a era da informação mudaram o trabalho e o ambiente econômico. A mudança do Ocidente para o Oriente vai mudar o ambiente político e econômico.
6. O senhor prevê outro modelo econômico dominante nas próximas décadas?_O capitalismo e a democracia ocidental provaram ser o modelo mais bem-sucedido. Isso se tornou bem visível quando muitos regimes comunistas entraram em colapso no fim do século passado. Mas hoje vemos um modelo que parece combinar comunismo e capitalismo de um modo novo e bem-sucedido. Isso é o que a China tem feito ao longo dos últimos 30 anos. Durante essas décadas, amplamente negligenciadas no Ocidente, o comunismo na China se reinventou constantemente. A China está hoje a caminho de aprofundar essa fusão de opostos – a eficiência da tomada de decisões da autocracia com a participação da democracia.
7. Qual será o papel das empresas nesse novo mundo?_Estamos na transição do Ocidente para o Oriente e, no meio desta mudança, considerações econômicas estão esmagando considerações políticas. A economia global é um quebra-cabeça formado por incontáveis corporações, não por países. As corporações estão cada vez mais operando através das fronteiras, e os negócios multinacionais são tão entrelaçados globalmente que é praticamente impossível isolar sua contribuição para o PIB de um único país. No futuro, é o mundo dos negócios, o domínio econômico no qual uma empresa atua, que fixará as regras, muito mais do que o país hospedando sua sede. Países que oferecerem o ambiente mais substancioso muito provavelmente irão atrair as companhias mais inventivas. E o planejamento estratégico e de longo prazo da China tem uma chance muito forte de ganhar do pensamento movido a eleições e pensamento de curto prazo do Ocidente.
8. O senhor descreve com frequência um mundo imagético, no qual o discurso falado e escrito perde relevância. Executivos da Geração X poderão se adaptar a ele? Ou este é um caso para a Geração Y?_Você pode achar vocabulário velho na Geração Y e vocabulário novo na comunidade de negócios estabelecida. No fim das contas, é abertura a condições cambiantes [o que faz a diferença]. Vídeos e fotos são rápidos, mas não é sempre a velocidade que é decisiva. É a mistura certa. Jornais e revistas não serão substituídos por YouTube e Facebook. Harry Potter revitalizou os hábitos de leitura de uma geração. Não fique preso a estereótipos.
9. Se fizermos uma linha do tempo do que podemos chamar de elites econômicas globais, iremos de fazendeiros a industriais, de banqueiros a milionários da tecnologia. O que vem em seguida?_A história das três últimas eras teve o fazendeiro, o operário e o balconista. Mas nesse último período, de TI e áreas afins, vamos ficar por um tempo. Ele está só começando. Muitos dos chamados negócios de TI são muito mais negócios sociais. Nesse aspecto, o pensamento intercultural vai ser decisivo. O Facebook, o YouTube e outras redes sociais estão construindo pontes entre pessoas com interesses comuns. A próxima ponte serão as redes interculturais.
10. Haverá organizações com sedes em grandes prédios, cheios de trabalhadores, no futuro? Ou vamos todos trabalhar em casa?_Lembra das previsões sobre a geladeira nos dizendo que precisamos de manteiga, ou aspiradores de pó saindo sozinhos da copa para fazer a limpeza semanal? Quantos desses refrigeradores e aspiradores você conhece? Quantas pessoas estão voando por aí com seus mini-helicópteros particulares e em que rodovias podemos ver carros sem motoristas? Tendemos a extrapolar, exagerar e superestimar a velocidade e a dimensão da mudança. O futuro vai mostrar que haverá as duas coisas: sedes em grandes escritórios e negócios estruturados em home offices. É a diversidade aumentando, não as escolhas diminuindo.
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